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sábado, 15 de junho de 2013

"A" Maiúsculo com Círculo à Volta



Rui Eduardo Paes tem sido um combatente. As suas armas são a sua imensa sabedoria musical/cultural e a sua escrita em livros e imprensa escrita ao longo de quase 30 anos de intensa actividade de crítico e ensaísta. Por isso é o melhor especialista português sobre as novas tendências artísticas contemporâneas no que à música diz respeito e, por inerência, a todo o vasto e complexo pensamento subjacente.
Rui Eduardo Paes, de quem já escrevi várias vezes neste blogue, estuda a problemática das músicas contemporâneas de índole experimental e a significação das estéticas de ruptura face aos valores culturais instituídos. Dito de outro modo, aborda todas as expressões artísticas tidas como de vanguarda, nas suas múltiplas formas e configurações - música electroacústica, free-jazz, improvisada, electrónica, noise, multimédia, erudita contemporânea, computer music, fusões estilísticas bizarras e outras derivações estéticas radicais e alternativas face à cultura "mainstream" dominante. 
Rui Eduardo Paes tem sido uma voz crítica única no panorama jornalístico nacional, revelando sempre uma argumentação extremamente bem urdida, lúcida e uma visão histórica dos factos simultaneamente original e pertinente. Analisa eloquentemente os fenómenos artísticos, disseca-os com auxílio de teorias não só musicais como filosóficas e literárias, citando para tal autores tão prementes para a cultura contemporânea como Virilio, Camus, Borges, Sartre, Lyotard, Deleuze, Debord, Heidegger ou Cioran. 
Além disso, explora a congeminação de relações entre distintas áreas do pensamento ensaístico, tentando estabelecer elos de ligação entre correntes específicas do pensamento artístico (surrealismo, dadaísmo, pós-modernidade, teoria do Caos, minimalismo, nihilismo...) com outras tantas correntes musicais e artísticas (free jazz, música concreta, electrónica, improvisação, instalações multimédia, cinema experimental, pintura conceptual...).
A novidade que o seu novo livro traz é que o ponto de vista essencial é o ponto de vista político associado às manifestações estéticas contemporâneas. O título é, de resto, todo um programa de intenções: "A" Maiúsculo Com Círculo à Volta". O anarquismo histórico e as suas formas libertárias de expressão são intercaladas, pelo autor, com múltiplas abordagens a músicos, escritores, cientistas ou artistas multimédia. Um livro que, uma vez mais, prova que o autor rejeita o conformismo de pensamento e ousa analisar novas abordagens, novas relações, novos pontos de vista sobres os fenómenos artístico-culturais-sociais-filosóficos do mundo contemporâneo.

Com a edição conjunta da Chili Com Carne e Thisco, o novo livro de Rui Eduardo Paes relaciona as músicas de hoje (jazz, improvisação, pop-rock, noise, electrónica experimental, música contemporânea) com as novas tendências do pensamento libertário, descobrindo analogias mas também desmistificando ideias feitas. Entre os temas percorridos ao longo dos 10 capítulos amplamente ilustrados estão o ocultismo, a espiritualidade, a ciência, a ficção científica, a tecnologia, o amor e o sexo, com referência a autores como Robert Anton Wilson, Hakim Bey ou Murray Bookchin (o livro é ilustrado por vários artistas da Associação Chili Com Carne: Joana Pires, Marcos Farrajota, André Coelho, Jucifer, Bráulio Amado (acumulando o cargo de Designer do livro), José Feitor, David Campos, André Lemos ou João Chambel).
Trata-se pois, de uma obra ousada na forma e no conteúdo; não será de fácil leitura para leitores pouco habituados à torrente de informação criteriosamente debitada por Rui Eduardo Paes (numa página pode ter dezenas de referências a músicos, escritores ou filósofos), mas será certamente uma experiência altamente enriquecedora absorver tamanha sapiência nesta forma tão original e "anárquica" de interpretar a cultura paradoxal característica da sociedade em que vivemos.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O prazer e a preguiça segundo Albert Cossery


Lembro-me do momento em que um amigo mais velho me deu a conhecer a obra do escritor Albert Cossery (morreu aos 93 anos em 2008). Foi em meados dos anos 90. Dizia-me esse amigo que Cossery era um escritor invulgar e original, capaz de escrever sobre assuntos mundanos de forma extremamente polida, que se interessava pelos "vencidos da vida" e não por heróis romanceados de forma épica.
Nasceu no Egipto mas toda a vida escreveu em francês. Metódico e solitário (viveu décadas no mesmo quarto de hotel), Albert Cossery tinha por hábito escrever apenas uma frase em cada dia, durante quase sessenta anos de carreira literária, produção que equivaleu a uns escassos oito livros publicados.
Albert Cossery fazia, na esteira da filosofia epicurista (o prazer e o hedonismo como valores primordiais para a vida), a apologia da preguiça e do ócio, vendo nestas atitudes o espelho de uma rebuscada actividade interior, como métodos valiosos de reflexão sobre a vida e o mundo. O próprio Cossery viveu praticamente toda a vida de forma desprendida e despojada, segundo o próprio, veículos para a felicidade e para o bem-estar existencial. Cossery foi amigo de grandes figuras da literatura como Boris Vian, Jean Genet, Henry Miller e Albert Camus, mas ainda assim é o autor menos conhecido de todos.
Apenas li três dos seus oitos livros: "Mendigos e Altivos", "A Violência e o Escárnio" e "Conversas Com Albert Cossery". Este último título, um conjunto de entrevistas ao escritor egípcio, é particularmente interessante para compreender o pensamento e a escrita de Albert Cossery:
Jornalista: "Nunca pensou que as sociedades podem progredir?"
Albert Cossery: "Um progresso espiritual, sim, mas não no sentido religioso. Espiritual, quer dizer no espírito. É muito difícil e é por esse facto que a humanidade não avançou nem um centímetro desde há milénios. Hoje vemo-lo um pouco por todo o mundo: as pessoas odeiam-se, entram em guerra, matam-se".
- "Qual é a arte de viver?"
- "Desprender-se de tudo o que nos ensinam, de todos os valores e dogmas".
- "O que é que caracteriza a arte de viver das personagens que criou?"
- "Em primeiro lugar, a falta de ambição. O que mata as pessoas é a ambição. E também esta tendência para a sociedade de consumo. Quando vejo publicidade na televisão, digo para mim próprio: podem apresentar-me isto anos a fio que nunca comprarei nada daquilo que mostram. Nunca desejei um belo automóvel. Nunca desejei outra coisa senão ser eu próprio. Posso caminhar na rua com as mãos nos bolsos e sentir-me um príncipe. Não é a posse de bens materiais que pode satisfazer um homem inteligente, que compreendeu o mundo em que vive".
- "O que lhe dizem os seus leitores mais frequentemente?"
- "Os meus leitores nunca me dizem: escreveu um belo romance, como acontece com muitos escritores; dizem-me: salvou-me a vida. Muitos jovens vão para o Egipto - Cairo - porque leram os meus livros. E muitos ficaram por lá".

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Para explicar Woody Allen


Ramón Luque, autor do livro “En Busca de Woody Allen – Sexo, Muerte y Cultura en su Cine”, explora o universo temático do realizador de Nova Iorque com exemplar simplicidade e pragmatismo. A sua análise nem parece a de um professor universitário (da Universidade Juan Carlos de Madrid). O leitor compreende sempre onde quer chegar o autor e o que quer dizer, sem recorrer a uma linguagem hermética e excessivamente teórica que grassa neste tipo de ensaios.
E para explicar o cinema de Woody Allen e os seus temas favoritos plasmados nos seus filmes – religião, sexo, morte, solidão, amor, cultura, arte, existencialismo, filosofia -, Ramon Luque socorre-se, sem pejo, de uma teia inusitada de referências de pensadores, artistas e filósofos (já para não falar em cineastas). A saber: Freud, Kierkegaard, Camus, Bourdieu, Durkheim, Nietzsche, Jung, Deleuze, Vattimo, Unamuno, Husserl, Heidegger, Habermas, Foucault, Derrida, Sartre, Fromm, Weber, Tchekov, Dostoievsky, Tolstoi, McLuhan, Orwell, Bataille, Nabokov, Whitman, Mailer, Shakespeare, Cervantes, Sófocles, Strindberg, (Karl e Groucho) Marx, Kafka, Proust, entre outros.
No meu curso superior tive um professor que valorizava, desmesuradamente, a bibliografia consultada e as referências a autores nos trabalhos académicos. Tenho a certeza que esse professor daria uma excelente nota final a Ramón Luque.

domingo, 28 de setembro de 2008

Por que se suicida um escritor?


Já escrevi uma vez sobre artistas (poetas, escritores) que se suicidaram. Porque, como Albert Camus um dia asseverou, só há uma pergunta à qual a filosofia deve tentar responder: a raiz do suicídio - saber se a vida merece ou não ser vivida.
A propósito do suicídio, no passado dia 12 de Setembro, do escritor americano David Foster Wallace, o jornal espanhol El País publicou um excelente artigo no qual se aborda o suicídio de escritores ao longo da história e se tenta explicar (se é que há explicação possível) para o mistério fundamental no mundo das artes: por que se matam os escritores?. Aqui.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O café dos artistas (e não só)


O que têm em comum Camus, Picasso, Apollinaire, Artaud, Sartre, Simone de Beauvoir e Tristan Tzara? Para além de todos serem grandes figuras da arte e da cultura, todos foram clientes assíduos do mais mítico e elegante café de Paris: Café de Flore, em Saint-Germain-des-Près. Francis Ford Coppola disse um dia que o seu sonho era viver neste bairro francês para assim poder tomar o pequeno-almoço todos os dias no Café de Flore. Foi neste café que, durante décadas, dezenas de pintores, intelectuais, escritores, estilistas, actores e outros artistas se encontravam num ambiente de tertúlia (na bela esplanada ou no interior requintado). Dizia-se que houve tempos em que o café tinha mais artistas em convívio do que garçons a servir à mesa.
Em Portugal extinguiram-se os últimos cafés com tradição, bom gosto, espaços de conversa e tertúlia, de convívio à volta de uma bebida e de um jornal. Fernando Pessoa, Almada Negreiros ou Luiz Pacheco viveram grande parte das suas vidas em cafés (Martinho da Arcada, por exemplo) e criaram muita das suas obras nesses cafés. Hoje já não existem cafés com carisma, personalidade, abertos à discussão das artes e da cultura. Por isso o Café de Flore é uma referência incontornável deste tipo de vivência e de modo de estar, não só de Paris, mas de toda a Europa. Aberto desde o final do século XIX, este café de culto continua a fascinar meio mundo, das artes à moda, do desporto ao cinema, da figura pública ao cidadão comum. A última vez que estive em Paris (há 5 anos) não tive oportunidade de por lá passar. Não falharei a visita da próxima vez.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Os Deuses amam quem se suicida?


Ernest Hemingway (na imagem), Kurt Cobain, Camilo Castelo Branco, Ian Curtis, Jacqueline Kennedy Onassis, Roland Barthes, Jean Michel Basquiat, Walter Benjamin, Mishima, Guy Debord, Cleópatra, Florbela Espanca, Gogol, Adolf Hitler, Virgínia Woolf, Primo Levi, Stefan Sweig, Anna Karenina, Sylvia Plath, Guy de Maupassant, Vincent van Gogh . O que têm estas pessoas em comum, além do facto de serem famosas? O suicídio.
Como dizia Albert Camus, o suicídio deveria ser a questão crucial da filosofia. Ou seja, tentar saber se a vida merece ou não ser vivida. A morte em geral e o suicídio em particular, continuam a ser assuntos tabu na cultura ocidental. No Japão, a morte voluntária é encarada com certa bonomia e tolerância cultural, sendo e o harakiri (suicídio através da espada - foi como morreu o escritor Mishima) era uma prática comum nos samurais (para não falar no terrível fenómeno kamikaze da 2º Guerra Mundial). No Japão há inúmeros casos de suicídios colectivos de jovens e até crianças, muitas das vezes combinados pela internet.
Durkheim foi um dos primeiro sociólogos a estudar seriamente o fenómeno do suicídio. E durante a segunda metade do século XX, houve muitos estudos que apontavam para a relação entre a actividade artística e o suicídio, entre as doenças mentais (depressão, esquizofrenia) e a criatividade. O facto é que ao longo da história da humanidade houve centenas de artistas, cientistas, poetas, escritores, músicos, políticos, cultos e inteligentes que, voluntariamente, puseram fim às suas vidas. Entramos nos desígnios insondáveis da mente humana. Portugal tem um longo e relativamente vasto historial de suicidas: Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Mário de Sá Carneiro, Florbela Espanca.
Arthur Schopenhauer defendia que cada um é livre de pôr termo à sua vida. É a consequência de o homem se tratar de um ser livre. O “Dicionário de Suicidas Ilustres” (edição brasileira) de J. Toledo compila os casos de suicídio de mais de 700 pessoas famosas oriundas das mais diversas profissões (mas com especial enfoque nas profissões artísticas). No livro, comtam-se por exemplo, o suicídio de seis prémios Nobel, inúmeros prémios Pulitzer e mais uma grande quantidade de informações sobre os personagens ficcionais suicidas que se tornaram célebres, tanto na literatura quanto no cinema, como Anna Karenina, heroína do livro homónimo, escrito por Tolstoi. A morte será sempre um tema eterno nas discussões populares ou intelectuais, e o suicídio continuará a possuir aquela aura de mistério, de cobardia ou de coragem (conforme a opinião de cada um), de forma de fugir ao sofrimento ou como carro de combate para o debelar. E continará a exercer um profundo fascínio o exercício de tentar compreender (psicologica e culturalmente) porque é que se matam escritores e poetas, músicos e filósofos, artistas e pensadores, homens e mulheres de espantosa inteligência e formação. Se calhar, é porque, como diz Camilo Castelo Branco, "o suicídio não é uma coragem vulgar. Suicidam-se os que se desprezam a si e ao mundo."

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Pernas abertas e Camus


O filme tem o título português "Cenas de Natureza Sexual" (2006) e é realizado por um desconhecido Ed Blum, numa produção britânica independente. Os actores cobraram um cachet simbólico e o filme vive muito à conta do argumento. Teve uma estreia nacional discretíssima. Mas vale a pena deitar-lhe os olhos em DVD. A história aborda as questões eternas do amor, do sexo, da felicidade e da (in)fidelidade. Tópicos que fazem lembrar um determinado realizador... Ah! Woody Allen, claro. "Cenas de Natureza Sexual" não tem a desenvoltura prodigiosa e a inteligência melodramática das comédias existencialistas do autor de "Hannah e Suas Irmãs", mas acaba por não envergonhar a profissão de argumentista. Com um subtil humor (por vezes cínico) na abordagem dos temas em questão, com interpretações muito razoáveis e uma realização segura, o filme vive e respira encantamento.
O filme passa-se quase todo num parque público, no pico do Verão. Encontros e desencontros de pessoas comuns com desejos comuns, terrenos e imediatos. A menina do cartaz do filme está a ler um livro. Pose atrevida, pernas lascivas. Ao lado encontra-se um homem que, disfarçadamente, olha obcecado para as... cuecas da adolescente. A mulher repara no olhar insistente do marido e acusa-o: "para onde estavas a olhar?". O marido, embaraçado, responde a balbuciar: "hum, nada de especial, hum, estava a olhar para aquela moça que está a ler um livro interessante". A mulher olha e lê: "L'Etranger", Albert Camus. O marido finge que conhecia o livro, mas na realidade nunca tinha ouvido falar dele.
Repare-se no enquadramento da coisa: uma adolescente, estendida no esplendor da relva, pernas abertas e a ler, no original francês, "O Estrangeiro" de Camus! Ele há ironias da vida que só um argumentista inspirado poderia imaginar