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quinta-feira, 4 de julho de 2013

Gostar e não gostar

Às vezes sou assaltado por uma dúvida metódica: será possível que haja pessoas que gostem ao mesmo tempo de artistas ou objectos artísticos, aparentemente, antagónicos. Por exemplo: gostar dos filmes de Béla Tarr e do blockbuster "Man of Steel"? Ou ser um apaixonado da música de Bach e de Shakira? Ou da literatura de Marcel Proust e de literatura 'light'? 
Sinceramente, apesar de conhecer pessoas que se assemelham muito a esta configuração de gosto, a verdade é que não me parece ser "possível" haver gostos estéticos tão antagónicos. É que gostar de uma determinada manifestação artística é partilhar de um ideário estético determinado que não pode relacionar-se com outro completamente diferente. 
Ou seja, quem gosta do cinema exigente e formalista do húngaro Béla Tarr, não pode gostar (atenção: do mesmo modo e no mesmo sentido) que um blockbuster qualquer de Verão cuja linguagem é vazia de conteúdo estético.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sobre a leitura de "Ulisses"

Há tempos li num jornal que o livro "Ulisses" (1921), de James Joyce, foi considerado o "melhor romance jamais escrito" (figurava em 1º lugar numa lista com cem títulos).
Joyce foi, inegavelmente, um rigoroso estilista da língua, um modernista visionário, um inovador formal sem paralelo (só Marcel Proust se lhe poderá comparar). A sua prosa de extraordinária invenção narrativa quebrou normas instituídas e abriu novas portas na experiência literária. Não admira que o escritor irlandês tenha demorado 7 anos a escrever tão monumental obra, cuja história se desenrola num único dia na vida de Leopold Bloom.
James Joyce construiu uma complexa e densa estrutura narrativa, refutando academismos convencionais. Mas "Ulisses" é, igualmente, um romance de grande exigência para o leitor (como é "A Montanha Mágica" de Thomas Mann ou "O Homem Sem Qualidades" de Robert Musil).
A escrita de escritor irlandês parece emaranhar-se em múltiplas linhas narrativas em simultâneo, numa prosa nem sempre inteligível, desorientando o leitor menos prevenido.
Não admira, por isso, que na edição da "Livros do Brasil" que possuo (na imagem), o tradutor disserte sobre a extrema dificuldade técnica que acarretou a tradução do romance para português. Tal dificuldades deveu-se à complexidade de trocadilhos linguísticos, neologismos, recursos expressivos e trocadilhos imaginados e trabalhados por Joyce. O problema é que este rigor técnico e esta exigência formal podem, a meu ver, anular (ou reduzir) o prazer estético da própria leitura.
Daí que eu nunca tenha conseguido chegar ao fim da leitura de "Ulisses" (li apenas dois ou três dos seus 18 capítulos). O mesmo aconteceu com diversos amigos meus. No entanto, esta obra é quase sempre referenciada como essencial na literatura do século XX, facto que suscita uma interrogação paradoxal no meu espírito: será "Ulisses" de Joyce a obra literária mais citada (seja pelo comum dos leitores, seja por críticos literários encartados) e, porventura, a menos lida?

quinta-feira, 11 de março de 2010

Preconceitos à volta de futebol e cultura

Um dia alguém me contou que no final dos anos 60, numa entrevista ao "Diário de Lisboa", o escritor José Cardoso Pires afirmava que "feliz ou infelizmente, 'A Bola' é o jornal onde se escreve melhor português". Achei surpreendente.
Serve de mote para contar isto: quando era adolescente nutria uma grande admiração por um amigo uns anos mais velho: professor erudito de Humanidades, leitor compulsivo, cinéfilo e melómano inveterado. Exerceu sobre mim uma espécie de guia cultural, ensinando-me a olhar para um filme de Tarkovski, a ouvir uma composição de Boulez, a interpretar uma tela de Pollock ou a fruir a literatura de Kafka e Proust. No fundo, foi alguém que condicionou a minha formação cultural, que formou o meu gosto e afinou a minha percepção sobre matérias artísticas.
Não o via muitas vezes, achava-o um eremita que por vezes deambulava pelas ruas com livros debaixo do braço e que odiava manifestações de gosto popular como o futebol. Um suposto intelectual não podia gostar de futebol, pensava eu. Até que um dia tive um choque. Ao passar junto de um quiosque, vislumbro esse meu amigo, amante das artes, das letras e do pensamento, com o jornal “A Bola” na mão! Como era possível alguém como ele gostar dessa coisa de gosto massificado e popular que era o futebol?, pensei.
Na verdade, gostava. Só aos poucos me mentalizei que o gosto pela cultura (qualquer uma) não era incompatível com o gosto pelo futebol do "povo". Um professor erudito pode ser fanático pelo Benfica, assim como um jardineiro pode gostar de ópera. Era um preconceito bacoco que acabei por exterminar. Com a idade e a experiência, percebi que o prazer que se retira ao assistir a um bom jogo de futebol não é o mesmo de quando se vê um filme ou se lê um bom livro. Unicamente são formas diferentes de retirar prazer de uma actividade, ambas experiências enriquecedoras e legítimas, e que podem (devem) ser compatíveis no gosto generalista de qualquer pessoa.

domingo, 13 de dezembro de 2009

O ofício de tradutor literário


Há uma profissão que muito respeito e admiro: a de tradutor literário. Folheando grandes obras da literatura clássica ou moderna, tento intuir a complexidade de uma tradução literária, as infinitas horas passadas a ler o livro na língua original, as horas ao computador a escrever e a consultar grossos dicionários de línguas.
Um dia conheci um tradutor (de alemão - português) que me dizia que este profissional trabalha quase sempre na sombra do nome do escritor que está a traduzir, mas é um elemento essencial para o sucesso e reconhecimento crítico de uma determinada obra. Mas não é, certamente, um trabalho fácil. Existe aquela célebre máxima de raiz latina - que muito atormenta os intelectuais - que diz "tradutore, traidore". Ou seja, a tradução é uma potencial traição à língua original da obra. Pode ser e pode não ser. Se já é difícil traduzir prosa tão complexa como a de um James Joyce, Kafka, Proust ou um Musil, como será com a poesia?
Portugal tem grandes tradutores de várias línguas: Vasco Graça Moura, Miguel Serras Pereira e Frederico Lourenço (que traduziu "Homero") são apenas alguns nomes cujos trabalhos já mereceram prémios e distinções. A tradução é um trabalho que exige um extraordinário conhecimento cultural das línguas com que se trabalha. É um trabalho tecnicamente árduo, de grande rigor intelectual e fisicamente desgastante.
Um trabalho que exige diversificada formação cultural, muita disciplina e empenho intelectual. Mas este esforço nem sempre é reconhecido pelos leitores e pelas editoras, que geralmente pagam mal. E são poucos os tradutores portugueses que conseguem viver apenas deste trabalho. Traduções à parte, tenho um amigo formado em filosofia que foi aprender alemão para ler no original as obras de Heidegger. Tinha outro amigo que dizia que só lendo Proust em francês é que se conseguia captar as nuances da língua e o conteúdo literário da obra.
Por outro lado, houve muitos estudiosos estrangeiros que aprenderam português para ler Fernando Pessoa ou Camões (o escritor italiano Antonio Tabucchi foi um deles). Persiste a sensação de que nas traduções se perde sempre qualquer coisa do original, mas aí a criatividade do tradutor e o seu domínio das línguas é fundamental para fazer esquecer, no espírito do leitor, essa possibilidade.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Para explicar Woody Allen


Ramón Luque, autor do livro “En Busca de Woody Allen – Sexo, Muerte y Cultura en su Cine”, explora o universo temático do realizador de Nova Iorque com exemplar simplicidade e pragmatismo. A sua análise nem parece a de um professor universitário (da Universidade Juan Carlos de Madrid). O leitor compreende sempre onde quer chegar o autor e o que quer dizer, sem recorrer a uma linguagem hermética e excessivamente teórica que grassa neste tipo de ensaios.
E para explicar o cinema de Woody Allen e os seus temas favoritos plasmados nos seus filmes – religião, sexo, morte, solidão, amor, cultura, arte, existencialismo, filosofia -, Ramon Luque socorre-se, sem pejo, de uma teia inusitada de referências de pensadores, artistas e filósofos (já para não falar em cineastas). A saber: Freud, Kierkegaard, Camus, Bourdieu, Durkheim, Nietzsche, Jung, Deleuze, Vattimo, Unamuno, Husserl, Heidegger, Habermas, Foucault, Derrida, Sartre, Fromm, Weber, Tchekov, Dostoievsky, Tolstoi, McLuhan, Orwell, Bataille, Nabokov, Whitman, Mailer, Shakespeare, Cervantes, Sófocles, Strindberg, (Karl e Groucho) Marx, Kafka, Proust, entre outros.
No meu curso superior tive um professor que valorizava, desmesuradamente, a bibliografia consultada e as referências a autores nos trabalhos académicos. Tenho a certeza que esse professor daria uma excelente nota final a Ramón Luque.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O novo projecto de Harvey Pekar


Ainda há dias perguntava a um amigo, especialista em Banda Desenhada, se Harvey Pekar ainda fazia BD ou, sequer, se ainda era vivo (visto que sofria de cancro). Pelos vistos, não só está vivo como bem activo. Pekar é conhecido, há pelo menos três décadas, como um autor de BD alternativa e de culto (ou artista gráfico), e o jornal espanhol El País até o chama, de forma ousada, como o "Marcel Proust da banda desenhada norte-americana". A particularidade de Harvey Pekar é que ele não desenha, apenas escreve as desconcertantes histórias (quase sempre autobiográficas) sobre os seus problemas de vida, as suas depressões, as suas frustrações quotidianas, sempre ao som da sua música preferida, o jazz. Essas histórias trágico-cómicas, tão perto das vivências da conturbada sociedade moderna, são transpostas para banda desenhada por Robert Crumb, outra lenda viva da BD underground.
Há magnífico filme sobre este personagem tão peculiar - "American Splendour" (2003), de Shari Springer Berman e Robert Pulcini, com um soberbo Paul Giamatti como Harvey Pekar.
A novidade é que Harvey Pekar lançou, há apenas alguns dias, um projecto inovador na internet, chamado "The Pekar Project". Trata-se de um sítio onde Pekar e um grupo de colaboradores (artistas gráficos e não só) revelam o universo criativo deste autor tão original, misturando tiras de BD, biografia, textos sobre os mais diversos assuntos, livros e listas de preferências pessoais de Pekar, como a lista dos "10 músicos de jazz mais inovadores". Um sítio repleto de boas surpresas.

sábado, 1 de agosto de 2009

A arte que antecipou a neurociência


Foi lançado em Março último, mas só agora (por causa das férias e da inerente disponibilidade) comecei a lê-lo. Trata-se do livro com o sugestivo título "Proust Era Um Neurocientista - Como a Arte Antecipa a Ciência", do jovem (tem 25 anos) jornalista e investigador neurocientista Jonah Lehrer (já depois deste título editou um outro sobre neuromarketing: "How We Decide"). O pressuposto é simples, mas de explicação complexa: podem os artistas e escritores antecipar, na sua intuição criativa, descobertas da ciência? O autor assume que sim, dando o exemplo de oito artistas que, cada um à sua maneira, anteciparam conhecimentos científicos através de processos criativos (em vários domínios artísticos - pintura, música, literatura...).
Jonah Lehrer prova que a arte e ciência não devem ser entendidos como territórios adversos. Analisando as obras de Walt Whitman, George Eliot, August Escoffier, Marcel Proust, Paul Cézanne, Igor Stravinski, Gertrude Stein e Virginia Woolf (um pintor, um poeta, um chefe de cozinha, um compositor e quatro romancistas), Lehrer assume que todos estes artistas foram artistas visionários que romperam com o conhecimento instituído, procurando alcançar novos domínios da consciência criativa nas respectivas áreas. Daí que o contributo de um escritor como Proust foi determinante para um novo conhecimento sobre os mecanismos da memória. Ou que Igor Stravinski (na imagem), através da sua obra-prima musical "A Sagração da Primavera", intuiu o que hoje é uma certeza: a inclinação da mente para procurar padrões de linguagem. Aliás, o capitulo sobre Stravinski é extremamente rico na abordagem que o autor faz do impacto que a sua sinfonia teve no desenvolvimento da linguagem musical e, paralelamente, num novo entendimento do funcionamento do córtex auditivo.
"A Sagração da Primavera", fou uma autêntica revolução estética ocorrida em 1913 que resultou em tumultos violentos na assistência, entre os detractores e os defensores da obra. Stravinski inovou de forma radical, dando primazia a padrões harmónicos e rítmicos dissonantes e nunca antes ouvidos, provocando o total desnorte a ouvidos educados segundo as normas convencionais do romantismo.
O choque foi tremendo (a influência deste obra manifestou-se ao longo de todo o século XX), numa década em que o sentido de modernidade fervilhava em todas as artes. É notável a análise que Jonah Lehrer faz do impacto que a obra de Stravinski teve para a linguagem musical e para o conhecimento científico ligado ás neurociências. Em suma, Stravinski, como Proust ou Woolf ou Cézanne, foram neurocientistas sem o saberem.
Um livro que proporciona uma leitura altamente estimulante e recomendável.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A exigência chamada "A Montanha Mágica"


Quando entrei na livraria Bertrand foi o primeiro livro que procurei: “A Montanha Mágica” de Thomas Mann. Uma obra literária mítica, grandiosa e influente, um marco para toda a literatura do século XX. Um livro para colocar na estante ao lado de autores como Robert Musil, Marcel Proust ou James Joyce. Nunca li “A Montanha Mágica”, obviamente, mas ressoou sempre no meu espírito a necessidade de ler este romance colossal (na forma e no conteúdo) por influência de amigos mais velhos e conhecedores. Ler este clássico da literatura universal que, pela primeira vez, foi editado no nosso país com uma tradução directa do alemão para o português europeu (e o livro já tem 100 anos!), feita por Gilda Lopes Encarnação, é uma grande responsabilidade. E um exercício exigente que se manifesta no tempo necessário para ler as mais de 800 páginas do livro de Thomas Mann. E o próprio escritor eleva a fasquia da exigência, dizendo que o leitor deve ler o romance duas vezes, para melhor se embrenhar na história de amor, morte e passagem do tempo. É neste aspecto que, confesso, me assusta um pouco aventurar-me na obra: a morosidade para ler um romance de tamanha densidade e complexidade exaspera-me, por mais prazer que possa extrair da sua leitura.
É preciso coragem para começar a ler um livro desta magnitude e importância. A mesma coragem que se deve ter para ler o monumental livro "O Homem Sem Qualidades" de Musil, para ouvir as óperas de Wagner, para ver as sete horas do filme "Sátántangó" do húngaro Béla Tarr. Mas a verdade é esta: só com coragem e determinação é que se pode extrair todo o prazer estético da fruição de uma obra de arte perfeita. Não é pela via do facilitismo intelectual.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Robert Musil


É um dos acontecimentos do ano no que diz respeito ao mercado editorial português: no próximo dia 7 de Abril, vão ser editados os dois volumes da obra literária “O Homem Sem Qualidades” de Robert Musil (1880 – 1942). Traduzido pela primeira vez directamente do alemão pelo competentíssimo João Barrento (tradutor, ensaísta, crítico literário), este romance é tido como o baluarte da pós-modernidade do século XX, ao lado de “À Procura do Tempo Perdido” de Marcel Proust e “Ulisses” de James Joyce (nomes a que se poderá adicionar Franz Kafka). Tal como a obra “Ulisses”, “O Homem Sem Qualidades” é uma obra muito citada e referenciada mas pouco lida. É o meu humilde caso. De Robert Musil li apenas “O Jovem Törless” (o outro livro que Musil escreveu em vida), um possante retrato da juventude através da trajectória existencial de um jovem num internato e das suas perturbações (que vão das dúvidas teológicas até os traumas da diferenciação sexual – obra que influenciou a escrita existencialista de “Manhã Submersa” de Vergílio Ferreira).

domingo, 9 de março de 2008

Ulisses - paradoxos de um livro

Li há dias num jornal que "Ulisses" (1921), de James Joyce, é considerado o melhor romance jamais escrito (figurava em 1º lugar numa lista de cem títulos). Joyce foi, inegavelmente, um rigoroso estilista da língua, um modernista visionário, um inovador formal sem paralelo (só Marcel Proust se lhe poderá comparar). A sua prosa de extraordinária invenção narrativa quebrou normas instituídas e abriu novas portas de percepção literária. Não admira que o escritor irlandês tenha demorado 7 anos a escrever tão monumental obra, cuja história se desenrola num único dia na vida de Harold Bloom. Joyce construiu uma complexa e densa estrutura narrativa, refutando academismos tradicionais e supérfluos. Mas "Ulisses" é, igualmente, um romance de grande exigência para o leitor. A escrita de Joyce parece por vezes emaranhar-se em múltiplas linhas narrativas, numa abordagem literária nem sempre inteligível, desorientando o leitor menos prevenido. Na edição que possuo (na imagem), o tradutor disserta sobre a extrema dificuldade técnica que acarretou a tradução do romance para português, dada a complexidade de trocadilhos linguísticos, neologismos e trocadilhos concebidos por Joyce.
Confesso que nunca consegui chegar ao fim da leitura deste romance ímpar na literatura mundial (li vários dos seus 18 capítulos). O mesmo aconteceu a amigos meus, facto que suscita uma interrogação paradoxal no meu espírito: será "Ulisses" de Joyce a obra literária mais citada (seja por leigos, seja por críticos literários) e, porventura, a menos lida?