sábado, 29 de novembro de 2008

"A Onda" - ou como uma vulgar turma de alunos se transforma numa experiência perigosa


Um dos filmes que mais ansiosamente quero ver estreia em Portugal no dia 8 e Janeiro de 2009. Chama-se "A Onda" e é realizador pelo alemão Dennis Gansel. É um regresso cinematográfico à memória histórica recente da Alemanha e dos seus traumas decorrentes da 2ª Guerra Mundial. Depois do confronto directo que foram os filmes "A Queda - Hitler e o Fim do Terceiro Reich" e de "A Vida dos Outros", um cineasta alemão volta a colocar o dedo na ferida ainda aberta da Alemanha Nazi.
A história do filme começa numa sala de aula: um professor do ensino secundário faz esta pergunta aos seus alunos: "acham que seria possível voltar a haver uma ditadura na Alemanha?", ao que os alunos respondem: "não, nem pensar, somos demasiado educados para que isso acontecesse". Será mesmo? Para provar que a manipulação da vontade humana e das mentes é mais fácil do que eles (os alunos) julgam, o professor promove uma experiência de uma semana na qual subjugará os alunos à sua forte liderança e férrea disciplina (quase militar). Os alunos formam o grupo "A Onda" com base na máxima "O Poder pela Disciplina" que irá varrer a cidade com violência e rastos de simbologia vagamente neo-nazi.
Os alunos não só aderem à experiência com total obediência, como as consequências se tornam, imprevisivelmente, violentas e assustadoras. O realizador Dennis Gansel disse numa entrevista que a natureza humana está programada a seguir, sem questionar, os ditames ditatoriais de um líder com forte carisma e personalidade. Onde já ouvimos isto?
No fundo, o filme "A Onda" comprova que um líder profundamente carismático pode conseguir manipular a vontade de um grupo mais vulnerável, sob determinadas circunstâncias e directrizes comportamentais. O caso deu-se numa micro-sociedade que é uma turma de alunos, mas no fundo, representa um exemplo do que pode acontecer na sociedade de massas. A possibilidade de uma ditadura em pequena escala, um nazismo sem ideologia, autoritarismo civil. A distopia de Aldous Huxley aplicada a uma turma de estudantes.
O caso não teria tido grande relevância nem teria suscitado tanta controvérsia pública (debates com políticos, educadores e sociólogos) se os acontecimentos retratados no filme não fossem baseados... numa história verídica!
Veja-se o magnífico e electrizante trailer:



Tom Waits animado

"For No One" (1979) - realização de John Lamb

William Gibson morreu?

Quando li o título da notícia, "Morreu o escritor William Gibson", pensei que se tratava do autor do seminal livro "Neuromancer". Afinal o William Gibson que morreu - aos 94 anos -foi o dramaturgo que escreveu a célebre peça de teatro "O Milagre de Annie Sullivan", adaptada ao cinema em 1962 pelo realizador Arthur Penn. Quanto ao outro escritor homónimo que inaugurou a literatura de ficção científica cyperpunk, continua bem vivo e de saúde (tem 60 anos). Confusões de nomes, portanto.

Let it snow!


Oh the weather outside is frightful,
But the fire is so delightful,
And since we've no place to go,
Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Cantar no duche


O fadista Carlos do Carmo diz, nesta entrevista, que "já não canta no duche". Nunca percebi muito bem como se propagou essa espécie de mito urbano de cantar no duche. Porque é que se diz que se canta no duche e não, por exemplo, na sanita? Ou enquanto se cozinha? Ou no momento em que cortamos as unhas dos pés? Não. É no duche e pronto.

Saramago e a edição especial


O que está a dar é lançar para o mercado edições especiais e limitadas de certos produtos culturais, sobretudo, livros e DVDs. Saiu há dias uma edição da Lusomundo comemorativa dos 100 anos de Manoel de Oliveira por 150€ (sempre são 22 DVDs e um livro). Agora a Fnac anuncia, em venda exclusiva, a edição especial limitada, numerada e autografada, do mais recente livro de José Saramago, "A Viagem do Elefante" (Caminho) .
A edição tem estas sofisticadas características:
- Capa e sobrecapa flexível com badanas, em papel Rives Tradition 320 gramas
- Sobrecapa em papel Conqueror Contour Branco Antigo 160 Gr, impressa em 4 cores directas
- Design de Jorge Silva sobre caracteres tipográficos móveis de Jorge Reis.
- O miolo é impresso em papel Munken Print 1,5 90 Gr não aparado
- Tem 15 Ilustrações em extratexto em papel couché, da autoria do pintor Pedro Proença
É apenas um livro, o lucro reverte a favor da Fundação Saramago, que é um Prémio Nobel, a edição tem ilustrações especiais, mas custa... 90€.

O filme e o livro (e vice-versa)



aqui tinha abordado a relação entre o cinema e a literatura. É sabido que desde o início da história do cinema que a literatura (o teatro, menos) tem servido de inspiração para a evolução da 7ª arte. Grandes obras-primas do cinema resultaram de adaptações de livros menores e grandes obras literárias redundaram em filmes medíocres. José Saramago recusou, durante anos, autorizar a adaptação de livros seus para cinema, invocando o argumento de que o cinema "destrói a imaginação". Compreendo o sentido da afirmação, mas refuto que seja uma verdade tão linear. A literatura e o cinema são duas linguagens muito diferentes e, cada uma à sua maneira, projectam a imaginação do receptor (espectador/leitor) de formas distintas. O cinema, quanto mim, não só não destrói a imaginação como a estimula para terrenos que, porventura, a literatura não provoca. Os estímulos visuais potenciam e enriquecem outros estímulos. E as imagens associadas a essa tão eficiente expressão artística que é a música, chegamos a um resultado imagético total e irrepreensível. Uma coisa me parece certa: nem um bom livro substitui um bom filme, e vice-versa. São duas formas de fruição estética que, no fundo, se complementam.
Por isso uma conversa que me parece redundante é aquela que se centra na relação de qualidade entre um livro e o filme que se baseou nesse mesmo livro. Ou seja: saber qual é melhor: o livro "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck ou adaptação cinematográfica de John Ford? É melhor o filme "O Processo" de Orson Welles ou o livro homónimo de Franz Kafka? Qual tem mais qualidade artística: o livro "Ensaio Sobre a Cegueira" de Saramago ou o filme "Blindness" de Meirelles? Dezenas de outros exemplos poderiam ser enumerados. Quanto a mim, é uma conversa inconsequente.
O curioso é que o site List Universe acabou de publicar uma interessante (e discutível) lista de filmes que são melhores do que os livros que lhe deram origem. Lá podemos encontrar filmes como "O Padrinho", "Tubarão", "Silêncio dos Inocentes" ou "Blade Runner". O melhor filme recenseado é o "Stand by Me" de Bob Reiner com base num livro de Stephen King. Nada contra. Link.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Díptico - 41


António Victorinio D'Almeida - "Toda a Música que eu Conheço - 1º Volume" e "Toda a Música que eu Conheço 2º Volume" (Oficina do Livro)

A vida em transformação

O trabalho árduo dos mineiros da Serra Pelada (minas de ouro do Brasil) revela-se poesia visual ao ritmo da música tribal e do coro de crianças sul-americanas. A vida em transformação, em consonância com o chamamento original da terra, o sacrifício humano em prol do desenvolvimento civilizacional. O suor destes homens é vertido em ganância. O trabalhador morto que é carregado aos ombros pelos colegas transforma-se numa espécie de "Pietá" dos tempos modernos.
As imagens são captadas por um dos maiores documentaristas de sempre, Godfrey Reggio, musicadas por um dos maiores compositores de sempre, Philip Glass. "Powaqqatsi" é o segundo capítulo de uma trilogia única na história das imagens e dos sons - "Trilogia Qatsi".
E estes cinco primeiros minutos de filme são arrebatadores. Digo eu.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Mia quem? Mia Rose!


Já não chegava uma Ana Free, agora temos um novo fenómeno musical português do YouTube: Mia Rose. É dose. Tudo o que disse sobre Ana Free, repito-o em relação à Mia Rose (Maria Antónia Sampaio Rosa, de seu nome verdadeiro).
Agora só falta esperar pelos próximos talentos musicais da internet - carinha laroca, 20 aninhos, guitarra acústica a tiracolo, cançonetas da praxe e versões de canções de Brian Adams ou Jon Bon Jovi. Será que vêm aí uma Joana Flowers, uma Rita Joyce, uma Marisa Brandon, ou, talvez, uma Lara Thompson? É esperar para ver...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Regresso à 2ª Guerra Mundial

Como complemento à leitura do impressionante relato de Shlomo Venezia (livro "Sonderkommando") sobre a sua experiência no campo de extermínio de Auschwitz, sugiro o visionamento de quatro edições em DVD: três filmes de ficção - baseados em factos reais; e um brutal documentário:


- "Sem Destino" é um comovente e trágico filme do realizador húngaro Lajos Koltai. É baseado num livro do Prémio Nobel da Literatura Imre Kertész e conta a história de um jovem judeu de 15 anos (a experiência do próprio escritor) no campo de Auschwitz e, mais tarde, o seu difícil regresso à terra natal.
- "Os Falsificadores" foi o filme vencedor do Óscar para Melhor Filme Estrangeiro de 2008. Realizado por Stefan Ruzowitzky, relata a incrível e verdadeira história de Salomon Sorowitsch, boémio, falsificador e vigarista. Preso pelos alemães no campo de concentração de Sachsenhausen, em 1944, aceita ajudar os nazis numa operação organizada de falsificação destinada a financiar o esforço de guerra. Foi a maior falsificação de dinheiro de todos os tempos. Magistral reconstituição histórica de um episódio ocorrido no seio do terror nazi.

- "Auschwitz: Os Nazis e a Solução Final" é um documentário extenso (dois discos) sobre a máquina de morte do mais famoso campo de extermínio. Explica, com frieza quase clínica, as razões que levaram os nazis a empreender o macabro plano de extermínio étnico, o funcionamento das câmaras de gás, a vida e a morte diária no campo, etc. Existe no mercado editorial um livro com o mesmo título deste DVD.

- "Holocausto". Mini-série televisiva épica que venceu 8 Emmys e 2 Globos de Ouro em 1978. Conta com as estrelas Meryl Streep, Ian Holm e James Woods, numa perturbante história de uma família de judeus que foge às atrocidades de Hitler. Recordo-me de ver esta série exibida na RTP e agora que foi lançada a caixa de DVD (3 discos), será uma boa oportunidade para a rever em qualidade digital.
PS - a acrescentar a esta lista, falta o monumental documentário de nove horas do realizador francês Claude Lanzmann - "Shoah". Mas como ainda não o vi, não arrisco comentários ou opiniões. Fica para mais tarde.

Publicidade aguerrida

Isto parece configurar uma nova modalidade de venda de produtos culturais. Neste caso, de livros. Com a crise instalada e perante a avalanche editorial do mercado livreiro português, a concorrência torna-se feroz e aguerrida. Já não basta colocar o livro na estante de uma livraria (no meio de milhares de outros títulos); já não chega colocar um anúncio num jornal ou numa revista literária, promover o escritor com entrevistas, sessões de autógrafos, etc. Agora (e digo agora porque só me dei conta agora) o marketing chegou à caixa de correio electrónico e o remetente não é a editora ou a livraria. É o próprio escritor que envia, do seu mail pessoal, aparentemente, a mensagem para o destinatário. Foi o que me aconteceu: recebi um mail do escritor António Garcia Barreto promovendo o seu romance "A Mulher da Minha Vida". E a missiva reza assim:

Estimado leitor(a),
Não sei se já teve oportunidade de ler este romance. Trata-se de uma história que decorre em Lisboa, em 1930, nos primeiros anos da Ditadura. Eneias Trindade, chefe de brigada da Polícia Criminal, é nomeado para investigar as causas da queda de um aeroplano, de inusitada cor vermelha, numas arribas a norte das Azenhas do Mar. Uma diligência que lhe parecia irrelevante, tão irrelevante como a metáfora que o inspector Semedo usou para referir-se ao caso. (...)
Este romance é uma edição da Oficina do Livro, com capa de Neusa Dias, publicado em 2008. Encontra-se à venda em todas as livrarias (incluindo cadeias como FNAC, Bulhosa, Bertrand, El Corte Inglés), hipermercados e também online.
Já só falta receber publicidade por telemóvel com mensagens personalizadas - como aconteceu com uma marca de automóvel que queria vender-me um carro.

Discos que mudam uma vida - 37


In The Nursery - "L'Esprit" (1990)

Um milhão de livros gratuitos?


É uma iniciativa inédita e quase parece irreal, dada dimensão da proposta: A maior livraria virtual portuguesa, Wook, (ex-Webboom) vai disponibilizar um milhão de livros gratuitamente, em determinadas horas e durante três dias consecutivos (a partir de hoje mesmo). Basta fazer um registo no sítio da livraria e estar atento aos “Momentos Wook”. Diz o povo que “quando a esmola é grande o pobre desconfia”. Seja como for, eu vou-me já registar para ver no que dá a coisa. E quem quiser, que faça o mesmo.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Para descansar e ver televisão sem fim depois de um dia de trabalho particularmente esgotante




Volta Lennon, estás perdoado!


John Lennon deve agora repousar mais descansadamente, onde quer que esteja: 38 anos depois, o Vaticano perdoou o ex-Beatle por este ter dito, em Maio de 1966, esta frase altamente perigosa e ofensiva para a moral cristã: “Os Beatles são mais famosos que Jesus Cristo”. Na altura o músico dos Beatles arrependeu-se e pediu perdão pela frase (apenas porque temia represálias populares numa altura em que os Beatles estavam em digressão americana). Repare-se que Lennon não fez qualquer tipo de juízo de valor sobre a figura de Jesus, limitando-se apenas a referir-se à "popularidade" do mesmo com os quatros músicos de Liverpool. Mas foi o suficiente para que a ortodoxia religiosa do Vaticano se sentisse, solene e religiosamente, ofendida.
No entanto, o Vaticano e o Papa lá meteram a mão na consciência passadas estas décadas (até foram rápidos, costumam levar séculos!) e perdoaram John Lennon pelo “disparate” proferido (a expressão é do Vaticano). Na altura em que esta frase foi dita por Lennon, era bem provável que correspondesse à verdade, literal e metaforicamente. Os Beatles viviam o apogeu do estrelado mediático à escala planetária como nunca se vira antes. Na verdade, tal como agora. É apenas uma referência sem precisão científica, mas pesquisando no Google por Jesus Christ e Beatles, chegamos a esta interessante conclusão: Jesus Christ – 25 milhões e 200 mil resultados; Beatles – 63 milhões e 200 mil resultados. Percebe-se que a afirmação de John Lennon foi, não só acertada, como visionária. Podes fazer o V de vitória, John Lennon!
Por último, o artigo do Vaticano no qual se perdoa John Lennon, admite que as canções de Lennon e McCartney revelaram uma “extraordinária resistência à passagem do tempo”. Eu acrescentaria: o mesmo já não se poderá dizer da religião cristã…

The Smiths de volta (apenas em disco)


Não haverá muito a acrescentar sobre a importância determinante dos The Smiths na música pop dos últimos 25 anos. São, juntamente com os Joy Division, a banda mais influente da história recente da música pop. A banda de Morrissey e Johnny Marr cedo revelou marcas de uma escrita pop única, feita à base das originais linhas de guitarra de Marr e dos devaneios vocais (e literários) de Morrissey. De resto, o carisma e a personalidade controversa do vocalista dos Smiths contribuíram, de igual modo, para a projecção mediática da banda. Num período de tempo de apenas 3 anos (os anos de apogeu criativo da banda), os Smiths editaram 3 álbuns seminais que seriam referência absoluta para uma geração: “The Smiths” (1984), “Meat is Murder” (1985) e “The Queen is Dead” (1986).
Agora surge uma colectânea que reúne, para além de todos os singles lançados comercialmente, uma série de temas inéditos e outras raridades. Chama-se “The Sound Of The Smiths”, e contém dois discos. Por certo, uma antologia definitiva da música dos The Smiths, mas apenas para as novas gerações que queiram conhecer o legado da banda de Manchester.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O caldeirão

Que artista sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar o surrealismo (egocentrista) de Salvador Dalí, a expressividade (temperamental) de Jackson Pollock, a provocação (pop) de Andy Warhol e as paisagens (melancólicas) de Edward Hopper?

Que músico sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a simplicidade (genial) de Erik Satie, a efervescência (rítmica) de Stravinsky, a exploração (tímbrica) de Edgar Varèse e o nacionalismo (musical) de Bartók?

Que realizador sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a frieza (emocional) de Bergman, o humor (absurdo) de Groucho Marx, a violência (estilizada) de Sam Peckinpah e a perversidade (da carne e da mente) de David Cronenberg?

Que escritor sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a verve (erótica) de Henry Miller, a visão (pessimista) de Schopenhauer, a loucura (desenfreada) de Ezra Pound e a placidez (contagiante) de Albert Cossery?

Que banda sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a pop (decadentista) dos Tindersticks, o humor (cáustico) dos Butthole Surfers, a convulsão (sónica) dos Einstürzende Neubauten e o lirismo (noir) dos Dead Can Dance?

Que fotógrafo sairia de um caldeirão no qual se pudesse juntar a plasticidade (perturbadora) de Diane Arbus, a beleza (etérea) de Sebastião Salgado, a irreverência (sexual) de Robert Mapplethorpe, e a espontaneidade (histórica) de Robert Capa?

A maior das forças humanas


"A esperança seria a maior das forças humanas, se não existisse o desespero."
Victor Hugo

Díptico - 39


Claus von Stauffenberg e Tom Cruise (no filme "Valkyrie")

Festa do Cinema Periférico



Festa do Cinema Periférico começa hoje até Domingo
Cinema São Jorge - Lisboa

A produtora Periferia Filmes apresenta as sua produções cinematográficas e concertos todas as noites. Filmes de Edgar Pêra, João Trabulo, João Canijo, Rodrigo Areias, Paulo Furtado, Rita Azevedo Gomes, João Rodrigues. E música com Adolfo Luxúria Canibal, The Legendary Tiger Man, Sean Riley & The Slowriders e Kubik.

O meu alter-ego musical Kubik vai actuar no Domingo, 23 - 19h30 (estão todos convidados):

KUBIK musica ao vivo o filme “A Felicidade” de Aleksander Medvedkine
Para concluir a Festa do Cinema Periférico, um cine-concerto, no qual Kubik porá em música um genial momento do cinema mudo: “A Felicidade” (Schastyé, 1934), do russo Aleksandr Medvedkine (1900-89). “A Felicidade” é uma obra-prima relativamente pouco vista, pois o seu realizador só foi realmente reconhecido nos anos 70, graças ao em empenho de Chris Marker. Medvedkine era contemporâneo de Eisenstein, que o admirava e escreveu a seu respeito, mas os seus filmes eram excessivamente originais para o sistema soviético. Em 1932-33, Medvedkine percorreu a Ucrânia num “cine-comboio”, com uma equipa que improvisava pequenos filmes com os camponeses nas paragens. Foi desta experiência que nasceu “A Felicidade”, um filme em que um estábulo ou um celeiro podem sair andando, um morto pode ressuscitar, um cavalo pode subir a um telhado de colmo para comê-lo, um filme em que o grotesco e o maravilhoso se fundem.


(imagem do filme "A Felicidade")

Wall-E desajeitado


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O bebé que sobreviveu ao gás


(Desenho de David Olère, 1945)

Excertos do livro "Sonderkommando":

Béatrice Prasquier - O que acontecia, nos fornos crematórios de Auschwitz, às cinzas depois de os corpos serem queimados?

Shlomo Venezia - As cinzas deviam ser eliminadas para não deixar nenhum vestígio. Na verdade, quer nos fornos quer nas valas comuns alguns ossos, como os da bacia, queimavam mal. Era por isso que os ossos mais largos deviam ser retirados e esmigalhados separadamente, antes de serem misturados com as cinzas. Estas, uma vez trituradas, eram transportadas numa pequena carroça. Um camião vinha recolhê-las regularmente para que fossem deitadas ao rio. Cheguei a substituir um dos homens responsáveis por triturarem as cinzas. Isso permitia-me apanhar um pouco de ar e sair da atmosfera sufocante e fétida do Crematório.

Béatrice Prasquier - O que via quando os deportados chegavam às câmaras de gás?

Shlomo Venezia - A morte das pessoas que iam para a câmara de gás era tudo menos uma morte pacífica. É de tal modo violento e triste que tenho dificuldade em falar destas visões da câmara de gás. Podíamos encontrar pessoas com olhos saídos das órbitas devido ao esforço feito pelo organismo. Outras com sangue por todo o lado ou sujas pelos seus próprios excrementos. Todas pessoas agonizavam e sofriam terrivelmente na câmara. Não se pense que o gás era lançado e morriam automaticamente. Era um processo que podia demorar mais de dez minutos, nos quais as pessoas procuravam desesperadamente um pouco de ar - homens, mulheres e crianças. Um processo de carnificina de tipo industrial que matou milhões de pessoas. Na minha opinião, não posso garantir, mas penso que muitas pessoas morriam mesmo antes de o gás ser lançado. Estavam de tal modo apertadas umas contra as outras e em pânico, que os mais pequenos, os mais débeis, sufocavam. A imagem que víamos ao abrir a porta depois da chacina era atroz, não dá para imaginar o que aquilo era. Pensávamos que era impossível alguém sobreviver ao gás mortífero, mas um dia, ao abrir a porta da câmara, encontrámos um bebé vivo! Sobreviveu porque estava a agarrado ao peito da mãe no momento do lançamento do gás, e o efeito de sucção permitiu-lhe não inalar o veneno. Não é preciso dizer que um oficial SS, assim que viu o bebé a chorar, sacou da pistola e matou-o, a sangue frio, com um tiro na nuca.

Nos primeiros dias, apesar da fome que me atormentava, tinha dificuldade em tocar no bocado de pão que recebíamos. O odor persistia nas mãos, sentia-me sujo com a morte. Com o tempo, tive de me habituar a tudo, como instinto de sobrevivência. Tornei-me num autómato sem capacidade de raciocinar.

O som da LUME Big Band


O compositor e músico Marco Barroso venceu recentemente o "Prémio Jovem Autor" atribuído pela SPA e Milleniumbcp. É o reconhecimento artístico de um jovem músico com visão e que gosta de arriscar num panorama musical português geralmente amorfo. Marco Barroso juntou 15 músicos com formação jazzística e formou uma Big Band, a que chamou LUME - Lisbon Underground Music Ensemble. Esta é a primeira big band genuinamente portuguesa a tocar temas originais de um compositor português com referências estéticas que vão muito para lá do jazz. E só isso já seria de louvar. Mas Marco Barroso não se limita a gerir as expectativas, visto que a sua música não se confina aos estereótipos habituais em big bands. Basta constar as múltiplas e diversificadas influências musicais do compositor para perceber que prefere a heterodoxia estética do que a formatação habitual do jazz (como referiu nesta entrevista): Carla Bley, John Zorn, Fred Frith, Mike Patton, Dave Douglas, Evan parker, Stravinski, Ligeti, Residents, Mr. Bungle, Frank Zappa, rock experimental, música erudita contemporânea, etc.
Ou seja, o projecto LUME Big Band assume-se como um colectivo de músicos liderado por um pianista e compositor que absoveu as coordenadas mais diversas para criar a sua própria música. Lisbon Underground Music Ensemble situa-se, a espaços, no mesmo terreno de experimentação da Flat Earth Society, a big band norte-americana (cujos discos são editados pela editora de Mike Patton) capaz de saltar, com a mesma naturalidade, do swing para o noise rock. Marco Barroso ainda não chegou tão longe nessa via de experimentação, mas gosta de apelidar a sua música como "free-style", ancorada num cruzamento híbrido entre o jazz, o rock, e a música erudita contemporânea. Uma proposta original e contemporânea que pode agitar as águas da música portuguesa.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Man Ray e o cinema


Man Ray (na imagem à direita, ao lado de Salvador Dalí) fez parte do movimento dadaísta e surrealista dos anos 20 e 30 do século XX. Um artista iconoclasta e original como poucos que marcou a arte de todo o século. Desenvolveu uma obra artística tão inovadora na pintura como na fotografia. Neste último campo, fez retratos únicos de artistas como Picasso, Dali, Magritte, Buñuel. Artaud, Satie, Cocteau, Stravinski, James Joyce, Ducahmp, Matisse, Picabia (foi amigo de quae todos)… E o nu feminino adquiriu outra elevação estética com as fotografias de Man Ray.
Para além destas intervenções artísticas que influenciaram grande parte da arte produzida nas décadas seguintes, Man Ray experimentou também o cinema como veículo para a sua visão libertária da arte. No apogeu do movimento surrealista e expressionista, no qual todas as linguagens de vanguardas eram permitidas, Ray fez as curtas-metragens “Emak – Bakia” (1926), “L’Étoile de Mer” (1928) e “Les Mystères du Château de Dé” (1929). Três absolutos expoentes do cinema como poesia visual, como plataforma de experimentação estética e formal. São filmes abstractos e que recorrem a técnicas inovadoras de filmagem, montagem e efeitos visuais (alguns devedores do mundo da fotografia). Todos estes filmes (e mais alguns) estão disponíveis para visionamento no site da UbuWeb.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Uma marretada e fica o assunto resolvido


Destruir depois de ver.

Os sonhos e pesadelos de Fellini



Durante exactamente 30 anos (de 1960 a 1990), o realizador Federico Fellini apontava diariamente num caderno, os seus sonhos e pesadelos, numa espécie de antologia onírica que muitas vezes servia de inspiração para os seus próprios filmes. Os apontamentos eram em forma de texto, desenhos e pinturas, com personagens, rostos, figuras, cenários, no fundo, um imaginário excêntrico, bizarro e surreal (como muitos dos seus filmes).
Fellini, falecido há 15 anos, dizia mesmo que vivia duas vidas, ou seja, a vida real propriamente dita, e a vida dos sonhos. Chegou a sonhar com personalidades da vida artística como Ingmar Bergman, Orson Welles, Salvador Dalí, Pablo Picasso, e protagonistas de alguns dos seus filmes, como Anita Ekberg ou Marcello Mastroianni. A sua devoção às experiências oníricas era desmesurada, mas essa devoção tinha uma vertente prática bastante útil: ajudava-o a conhecer melhor a psicologia humana, os seus mistérios e enigmas. Fruto desse intenso trabalho de anotações e ilustrações durante três décadas, surgiu em Itália há um ano, o "Livro dos Sonhos" de Fellini.
Como base nesse livro e nos sonhos e pesadelos fellinianos, a Academia de Cinema de Los Angeles vai homenagear o autor de "La Dolce Vita" com uma grande exposição de 100 desenhos e ilustrações do realizador italiano. A exposição vai ter 8 secções temáticas diferenciadas, sendo que uma das mais interessantes é aquela dedicada à sua musa, companheira e actriz, Giuletta Masina (protagonista da obra-prima "A Estrada"). Noutras, surgem plasmadas as suas fantasias nocturnas eróticas, com bizarras e volumosas mulheres em poses sensuais e provocadoras em cenários idílicos.
Em suma: o sonho ao serviço da arte.

Tesouros do cinema europeu

Adicionar imagem
Europa Film Treasures é um site que disponibiliza centenas de filmes europeus via streaming (permite visualização sem possibilidade de download). Este imenso e riquíssimo arquivo de filmes menos conhecidos da história do cinema estão disponíveis na Internet devido ao esforço conjugado de dezenas de instituições europeias vocacionadas para o arquivo e memória do cinema. São filmes menos conhecidos mas nem por isso menos importantes. Há verdadeiras preciosidades históricas em curtas-metragens do tempo do cinema mudo, e pode-se pesquisar por vários critérios: por género, país, realizador, época histórica, etc. O site pode ser lido em cinco línguas diferentes e está extremamente bem conseguido em termos de informação, conteúdos e navegabilidade: todos os filmes têm uma sinopse, ficha técnica e artística, e têm a possibilidade de serem visionados com legendas em inglês, italiano, espanhol ou francês.
O projecto Europa Film Treasures é mais um contributo para a solidificação da globalização cultural estimulada pela comunicação digital. Sem este projecto disponibilizado online para toda a comunidade virtual que o queira utilizar, seria impossível conhecer tantos tesouros esquecidos da arte das imagens, nomeadamente, dos primórdios da afirmação da 7ª Arte (destaco os documentários e filmes de animação).
Abrir link.

O futuro da educação?

domingo, 16 de novembro de 2008

A caixa de Philip Glass


Para quem já apreciava ou era mesmo admirador confesso da obra de Philip Glass, não adiantará muito adquirir a "Glass Box: A Nonesuch Retrospective", uma caixa contendo 10 CDs com alguma da melhor música do compositor norte-americano. Os melómanos que queiram iniciar-se no mundo musical de Philip Glass, esta caixa será, certamente, um excelente e proveitoso investimento. Apesar da grande produção musical de Glass, a caixa retrospectiva inclui algumas das mais emblemáticas obras musicais da sua carreira editadas pela editora Nonesuch, como a ópera revolucionária "Einstein on the Beach", música composta para filmes, peças para piano solo, obras minimalistas, sinfonias, as obras-primas "Koyaanisqatsi", "Glassworks" ou "Satyagraha", etc. A edição "Glass Box: A Nonesuch Retrospective" tem uma limitação: por se tratar de uma colectânea retrospectiva, nem todas as obras estão integralmente disponíveis nos CDs, mas os excertos são suficientes para um jovem ouvinte se sentir motivado para partir à descoberta da restante discografia completa de um dos compositores mais amados (e odiados) dos últimos 40 anos.
Para mais informação e e audição de excertos desta preciosa edição, carregar neste link.

Günter Grass - artista plástico


Günter Grass é um dos mais prestigiados escritores alemães do pós-guerra e foi catapultado para a ribalta literária com a atribuição do Prémio Nobel da Literatura em 1999, um ano depois de José Saramago ter sido agraciado com o mesmo galardão das letras. Para além da literatura e da sua actividade como intelectual (não sem polémicas!), Günter Grass teve formação, na década de 50, em artes plásticas (escultura), frequentando a Academia de Artes de Berlim durante dois anos. Essa formação serviu-lhe para explorar uma veia muito própria de expressão plástica, utilizando os mais diversos materiais e técnicas de pintura, gravura e desenho. Essa vertente de artista plástico do escritor é menos conhecida e mediática, mas nem por isso menos interessante no âmbito da sua carreira de mais de cinco décadas. Os seus desenhos, aguarelas, gravuras e esculturas foram apresentados em numerosas exposições na Alemanha e muitos outros países nos últimos 50 anos e a sua obra está representada em importantes museus e colecções privadas. Ainda assim, quando se fala em Günter Grass, é quase sempre a sua produção literária que vem à baila...
Até dia 4 de Janeiro próximo há uma oportunidade de conhecer uma boa parte da obra plástica do escritor alemão. A exposição "Günter Grass: O Artista Plástico" (com a colaboração do Centro Cultural São Lourenço) está patente desde ontem na Galeria de Arte do Teatro Municipal da Guarda. A exposição mostra dezenas de esculturas em bronze, desenhos e pinturas das mais variadas técnicas e materiais, motivos, cores, texturas, abordagens. Algumas das obras fazem referência directa aos romances de Grass, como personagens e determinados temas. Alguns quadros parecem narrar verdadeiras histórias, relatar memórias vividas e experiências de outrora (as obras mais antigas da exposição remontam a 1953). Outros não pretendem (digo eu) revelar mais do que o objecto ou a matéria exposta, não sem um toque de absurdo e humor, mas sempre com refinamento estético. A natureza e os animais são matéria recorrente do seu imaginário, e vêmo-los espalhados nos seus quadros: sapos, galinhas, ratos, peixes, lagostins. Mas também cogumelos, castanhas, cebolas, árvores e folhas. Ou homens. Homens pintados como se fossem manchas quase indistintas, como espiões de si próprios, sem individualidade.
Comprova-se que Günter Grass demonstra uma grande sensibilidade plástica e visual, com traço simples e um subtil domínio cromático. "Günter Grass; O Artista Plástico" - uma oportunidade rara de poder apreciar a veia artística de um escritor laureado com o Nobel que, por acaso, também é um digníssimo artista plástico.


sábado, 15 de novembro de 2008

Relato de um sobrevivente de Auschwitz


Este homem da imagem chama-se Shlomo Venezia, tem 86 anos e é um dos poucos sobreviventes do campo de extermínio Auschwitz-Birkenau que teve uma das mais terríveis funções: Sonderkommando, ou seja, um "comando especial" cuja principal função (forçada, diga-se, pelas SS) era a de esvaziar as câmaras de gás e queimar os corpos das vítimas. Uma unidade indispensável para a máquina da morte nazi. Oriundo da comunidade judaica italiana de Salonica, Shlomo Venezia foi deportado para Auschwitz-Birkenau aos 21 anos e incorporado no Sonderkommando (em Abril de 1944), constituído por mais de 700 elementos que mantinham activa a máquina industrial de destruição e morte em massa de Auschwitz. Apesar de serem judeus prisioneiros, os Sonderkommando tinham algumas (parcas) regalias, como uma melhor alimentação. Muitos Sonderkommando foram executados ao mínimo sinal de debilidade física ou psicológica. Não foi o caso do impressionante caso de Shlomo Venezia, que assistiu às piores e inimagináveis atrocidades jamais cometidas pelo homem. O "nível mais baixo do inferno", como alguém descreveu o campo onde foram chacinados milhões de pessoas.
Mais de 60 anos depois dos acontecimentos, e apesar dos pesos de consciência derivados da sua função no campo de extermínio, Shlomo Venezia resolveu contar em livro (em forma de entrevista), os pormenores da sua história de sofrimento e horror. História que começou na interminável e tortuosa viagem de comboio de 11 dias até chegar a Auschwitz.
Neste livro, "Sonderkommando" (Ed. Esfera dos Livros), Shlomo revela como funcionava a máquina da morte, as regras dos campos de concentração, os trabalhos nas câmaras de gás, os cheiros pútridos, os corpos imundos, as caras de horror e o sofrimento por que passou. O autor oferece ao mundo, com este livro, um testemunho único e arrepiante sobre o tenebroso plano da "Solução Final" Nazi. Um testemunho de quem presenciou, na primeiríssima pessoa, o genocídio mais horrendo e pérfido de toda a Humanidade.
Um livro que apela à reflexão colectiva e à profunda revitalização da memória histórica da "Shoah" (Holocausto, na cultura judaica). E, por último, estamos perante um livro que, devido ao seu enorme potencial educativo, deveria ser de leitura obrigatória nas escolas de todo o mundo. De destacar, não sem importância, que o prefácio do livro é da autoria de uma outra sobrevivente do Holocausto e de Auschwitz, a política e activista francesa Simone Veil, actualmente Presidente da Fundação para a Memória da Shoah.
PS - Nestes posts escrevi sobre outros escritores que abordaram o Holocausto - Primo Levi, Elie Wiesel e Jonathan Littell.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Chris Marker - o manipulador do tempo

Nasceu em França em 1922 e vive actualmente em Paris. Combateu na 2ª Guerra Mundial, estudou filosofia com Jean Paul Sartre e Guy Debord mas especializou-se em documentários, sendo ainda produtor, escritor, operador de câmara, artista multimédia e jornalista. Jean-Luc Godard, Orson Welles, Federico Fellini, Pasolini, Chantal Akerman, Wim Wenders, Werner Herzog, Errol Morris, Abbas Kiarostami, e Agnès Varda referem que é um dos melhores cineastas do mundo - um "ensaísta das imagens". Trabalhou com Alain Resnais no documentário sobre Auschwitz - “Noite e Nevoeiro” (1955). Deu muito poucas entrevistas ao longo da vida e quando lhe pedem uma fotografia, dá a do seu gato Guillaume.
Chama-se Chris Marker e realizou em 1962 um dos mais enigmáticos, originais e belos filmes de sempre: "La Jetée". É um filme de ficção científica (aborda dois temas recorrentes: o holocausto nuclear e a viagem no tempo), feito com imagens estáticas, fotografias filmadas, à excepção de um único movimento. A curta-metragem narra a aventura de um sobrevivente da Terceira Guerra Mundial que vive como prisioneiro nos subterrâneos de uma Paris destruída. Esse homem guarda lembranças de uma infância feliz na superfície, em tempos anteriores à guerra, quando costumava ser levado pelos pais para admirar os aviões no aeroporto de Orly. Numa dessas idas ao aeroporto, quando criança, ele vê um homem ser assassinado. Em virtude dessas memórias, cientistas do pós-guerra escolhem-no como cobaia para experiências de viagem no tempo. Como a superfície do planeta foi devastada pela guerra e pela radioactividade, a humanidade vive reclusa no subsolo e com parcos recursos. A viagem pelo tempo do protagonista irá levá-lo ao encontro da sua mais funda memória do amor, transformando a sua percepção da vida e do mundo.
Se o cinema permite uma sofisticada manipulação do tempo através da montagem, "La Jetée" demonstra que mesmo imagens estáticas são capazes de fluir e de se submeter ao transcorrer do tempo. Mas este é apenas um dos trunfos estéticos desta obra maior do cinema mundial. A poética das imagens, a soberba montagem, a história envolvente, a voz off subtil, fazem deste filme uma experiência artística única.
"La Jetée" é um filme sonoro a preto e branco, mas que prescinde de uma característica inerente à linguagem do cinema: o movimento. Neste aspecto, o crítico Raymond Bellour terá razão ao afirmar que não é o movimento que define o cinema de forma mais profunda, mas sim o tempo. E é sobre manipulação do tempo, concebida através de uma rigorosa montagem, que este filme se revela, provando que mesmo imagens estáticas são capazes de fluir e de se submeter ao transcorrer do tempo.
As novas gerações talvez saibam da existência do filme porque "La Jetée" de Marker inspirou o filme que Terry Gilliam (ex-Monty Python) fez em 1995, "12 Macacos", com Brad Pitt e Bruce Willis. O realizador Terry Gilliam diz mesmo que "La Jetée" de Marker “tem a melhor montagem que alguma vez viu, com a música e a voz a marcar o ritmo e a deslumbrar o espectador”. As influências estéticas e plásticas do filme de Chris Marker perduram até aos dias de hoje, não só no seio do próprio cinema, como na música, na fotografia e nas artes plásticas. No caso da música, David Bowie tem um vídeo intitulado “Jump They Say” com referências directas ao filme de Marker; o grupo de jazz Chicago Underground Trio e os Isotope 217 têm um disco chamado "La Jetée" (1999 e 1999, respectivamente); o projecto de pós-rock Tortoise editou um disco intitulado "Jetty" (1998).
Em 1982, Chris Marker realiza outra obra seminal,“Sans Soleil”, que resulta numa complexa reflexão sobre a cultura da imagem na sociedade pós-moderna – filme, vídeo e fotografia. E volta a abordar os seus temas de eleição: ficção científica, memória, tempo, viagem, culturas de África e Japão. Realizou ainda um notável documentário sobre a vida do realizador russo Andrei Tarkovski - "One Day in the Life of Andrei Arsenevitvh" (2000) e em 2005 criou um trabalho multimédia e digital para o MoMa – Museu of Modern art de New York.
Chris Marker é um cineasta que continua activo mesmo com quase 90 anos de idade. Continua a pesquisar novas formas de expressão audiovisual, recorrendo às novas tecnologias digitais de tratamento de imagem e som. Um artista com visão quase táctil da experiência cinematográfica.
Primeira parte do filme "La Jetée" (as outras duas estão no youtube):

Mil




Milésimo post.

Discos que mudam uma vida - 36


Peace Orchestra - "Peace Orchestra" (1999)