Dos grandes cineastas históricos ainda vivos, Jean-Luc Godard é o que eu tenho menos simpatia. Pelo menos do seu trabalho dos últimos 10 ou 15 anos. Bem sei que é um monstro sagrado da história do cinema, uma referência incontornável, um visionário que revolucionou a sétima arte, um realizador-chave da "nova vaga" francesa, etc.
Um cinéfilo tem as suas preferências, e para mim Godard é daqueles cineastas que, apesar de indubitavelmente talentoso, não me comove. E a emoção é parte essencial da linguagem artística. Gosto dos filmes do Godard dos anos 60 ("A Bout de Soufle", "Band à Part", "Le Mépris", "Pierrot le Fou", "Alphaville", "Wekkend"...), mas já não adiro com o mesmo entusiasmo aos filmes mais radicais do realizador franco-suíço.
E falo, particularmente, da sua mais recente obra, "Film Socialism", uma obra que vi ontem no cinema e que me deixou estupefacto. Godard refuta quaisquer resquícios de narrativa convencional (já o fazia antes, mas nunca com o radicalismo de agora) e explora à saciedade fragmentos de imagens, diálogos e sons que se estilhaçam a cada segundo. Para ver este filme, o espectador é forçado a uma concentração desmedida, tal a incrível avalanche de estímulos audiovisuais a que é submetido.
Sabe-se que "Film Socialisme" é constituído por três movimentos (ou secções); sabe-se que o filme lança farpas à Europa (mais uma vez), ao capitalismo, à falência das ideologias, recorrendo a imagens de arquivo, cortes abruptos e inesperados da montagem, a enquadramentos de câmara improváveis, a um ritmo avassalador de ideias, sons, memórias, informação em demasia. Radicalismo formalista do qual não retiro prazer estético.
É desse mal, quanto a mim, que padece o filme de Godard: à custa de tanto querer ser vanguardista e experimentalista - mesmo nos seus veneráveis 80 anos de idade -, o seu cinema enreda-se num formalismo levado às últimas e redundantes consequências. Cerebral, frio e metódico em excesso.
Não admira que "Film Socialisme" tenha sido recebido com reacções totalmente díspares: houve quem o comparasse à magnitude da obra literária "Ulisses" de James Joyce, e houve quem o cilindrasse pela petulância intelectual, pela linguagem audiovisual exacerbada e pela abstracção excessiva (parece que Godard, tendo filmado pela primeira vez com o sistema HD, se deixou deslumbrar com as potencialidades do mesmo - as brincadeiras visuais são mais do que muitas).
Gosto de propostas cinematográficas que me desafiem e provoquem, mas não a um nível como o cinema de Godard faz. O seu cinema actual é um cinema que me deixa exausto e desorientado, e pior: que não me provoca um pingo de emoção estética, que não me inspira nem me estimula. Saía da sala de cinema cansado pela frieza do que tinha visto e 10 minutos depois deixei de pensar no filme.
Há quem diga que "Film Socialisme" é já a manifestação visionária do "cinema do futuro". Pois que seja. Subjectividade por subjectividade, eu prefiro um plano-sequência de um qualquer filme do Béla Tarr do que este "cinema do futuro". E reconheço que "Film Socialisme" é um objecto essencial para ser discutido e analisado numa aula de cinema, de teoria da arte ou de comunicação visual.
(Nota: agora os defensores acérrimos do Godard podem encher a caixa de comentários com críticas... mas construtivas, se faz favor).