domingo, 30 de novembro de 2014

Sobre "Boyhood"



Apesar das críticas genericamente muito positivas, não achei "Boyhood" aquela obra-prima que muitos asseveram (para a revista "Sight & Sound" é o melhor filme do ano). É verdade que o realizador Richard Linklater ousou algo inédito na história do cinema (filmar o tempo real de 12 anos de crescimento dos actores - ver imagem em cima), mas só resultaria num grande filme se este dispositivo fosse complementado com um extraordinário argumento. E é neste ponto que julgo "Boyhood" menos conseguido. 
O filme pretende revelar a vida comum "tal como ela é" de um miúdo que tem pais divorciados. É quase um filme neo-realista que procura evidenciar como a passagem do tempo molda a vida de uma família igual a tantas outras. Linklater parece preocupar-se demasiado com esse tom intimista acerca das relações familiares, percebe-se como o desenvolvimento físico real do rapaz (Ellar Coltrane) interfere nessas mesmas relações, mas em quase 3 horas de filme estive sempre à espera que algo mais acontecesse. E esse algo mais seria, a meu ver, uma maior densidade dramática e um maior aproveitamento e impacto emocional desse fluir do tempo. 
Claro que Patrica Arquette e Ethan Hawke são sólidos pilares do filme (curiosamente, quase não se percebe a passagem do tempo nos dois actores), mas a história decepcionou-me por ser ancorada em demasiadas vivências familiares sem expressão. Sim, eu sei que a vida é feita disto mesmo: da maior banalidade e rotineira existência. Mas estamos a falar de uma vida representada numa linguagem artística chamada cinema. 
Imagino o que um Clint Eastwood ou um Martin Scorsese não teriam feito se tivessem pegado numa ideia semelhante... 

sábado, 29 de novembro de 2014

Nova imagem: "O Sacrifício" (1986) - Andrei Tarkovski

Ed Wood e Orson Welles


No sublime filme "Ed Wood" (1994) de Tim Burton, há um diálogo delicioso em que Johnny Depp na pele de Ed Wood (considerado o pior realizador do mundo) conhece uma mulher num bar que lhe pergunta:

Mulher: E senhor o que faz?
Ed Wood: Trabalho no cinema: sou realizador, actor, argumentista e produtor.
Mulher: Ora, ninguém faz isso tudo ao mesmo tempo!
Ed Wood: Oh sim, no mundo do cinema só duas pessoas o conseguem: Orson Welles e eu!

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Oito anos é muito tempo

Este blogue assinala hoje 8 anos de existência. É muito tempo numa era digital da informação a alta velocidade e em constante mudança. Quando o criei em 2007 pensei que duraria umas semanas.
 Uma coisa é certa: só se mantém vivo porque há alguém aí desse lado que o segue e lê. 

Bem hajam, portanto.


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

As casas dos escritores

Muito do imaginário cultural e social da América passa pela arquitectura e, especialmente, das casas. As casas do Mississipi são diferentes das casas de Nova Iorque ou de New Jersey. Cada estilo de casa representa uma forma de identidade urbana (ou rural) muito específica na experiência quotidiana dos americanos.
Ora, a Google Maps resolveu investigar e mapeou as casas americanas onde viveram, não cidadãos comuns, mas sim ilustres escritores. Como esta primeira imagem que documenta a casa onde viveu Jack Kerouac, na Florida; e a segunda imagem que ilustra a casa de John Updike na Filadelphia. 

Para conhecer muitas outras casas de escritores clicar aqui e aqui.



terça-feira, 25 de novembro de 2014

Pessoa em edição especial

Edição de luxo (capas em madeira!) de "As Flores do Mal" de Fernando Pessoa com fotografias de Pedro Norton. Um belo objecto cultural numa época digital que dissemina a desmaterialização do livro.
"As Flores do Mal" é o livro dos vícios de Fernando Pessoa: absinto e aguardente, ópio e morfina, tabaco e muitos fumos, tal qual Pessoa e os seus heterónimos os sentiram e os cantaram. No total são 32 textos e poemas de Pessoa e respectivos heterónimos. São textos de inocência e abandono, textos de decadência e confissão - acompanhados por fotografias insubmissas - que nos dão a ler Fernando Pessoa como nunca o lemos.

Pena o preço elevado: 55€

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Velvet em versão francesa

Eis um belo estímulo para começar bem a semana: uma deliciosa versão do clássico "Femme Fatale" dos The Velvet Underground & Nico, interpretada por um rapaz e uma rapariga franceses de nome Mathieu e Pauline. Uma versão tão deliciosa que até o escritor Neil Gaiman a partilhou na sua conta de Twitter:
 

domingo, 23 de novembro de 2014

Kubrick na rádio

Crónica radiofónica ("Teoria da Evolução") sobre quando Stanley Kubrick recusou a música original de Alex North para o filme "2001 - Odisseia no Espaço".

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Kubrick on Red

Caro leitor: já se tinha apercebido da obsessão de Stanley Kubrick com a cor vermelha nos seus filmes? Então veja esta curta montagem que prova que as tonalidades vermelhas eram, para Kubrick, a componente visual predominante de grande parte do seu cinema. E nesta montagem as imagens até "dançam" ao som da Nona Sinfonia de Beethoven:
 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Psychocandy

Quando ouvi pela primeira vez este disco, por volta de 1986, foi um choque. Um choque bom, estimulante e desafiador. Um rock feito de riffs distorcidos e enérgicos à mistura com melodias doces que se tornaram clássicos. Volta e meia regresso a "Psychocandy" e comprovo a tremenda inovação estética que este disco representou - e ainda representa hoje em dia.
Um dos discos da minha vida, portanto.
 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Lynch pintor

David Lynch é cineasta. Mas é também fotógrafo e pintor. É nesta última qualidade de criador que tem patente a sua maior exposição de pintura nos EUA, em Filadélfia. Neste curto vídeo pode vislumbrar-se um pouco do seu trabalho como artista plástico - pouco conhecido dos cinéfilos e que tanto tem a ver com o seu imaginário cinematográfico.

domingo, 16 de novembro de 2014

Scott Walker on fire

Scott Walker, 71 anos, um dos songwriters de maior culto dos últimos 40 anos, surpreende tudo e todos ao juntar-se ao grupo de drone metal, Sunn O))). O resultado é o disco "Soused" editado há escassas semanas e que, certamente, marcará o presente ano musical. 
A voz sempre possante de Scott Walker à mistura com os ambientes dark e os densos riffs de guitarra dos Sunn O))), eis uma receita estética improvável mas altamente estimulante. Não é música para meninos, porque se mergulha num universo onde o sonho e o pesadelo andam de mãos dadas. É uma espécie de registo "Scott Walker on fire".

"Brando" é um dos temas do referido álbum, e é preciso estofo para conseguir ouvi-lo até ao fim (8'40'') e ver o enigmático - e belo - videoclip realizado por Gisèle Vienne (num estilo muito David Lynch).

Uma verdadeira experiência:

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O que diz Tarkovski #16

"O assunto que abordo nos meus filmes é, na minha opinião, o mais crucial: a ausência de espaço para a existência espiritual na nossa cultura. Nós ampliamos a meta das nossas realizações materiais e conduzimos experiências materialistas sem levar em conta a ameaça que é privar o homem da sua dimensão espiritual. O homem está a sofrer, mas não sabe porquê. Ele sente uma ausência de harmonia e procura a sua causa."

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Ian Curtis: livro essencial


O livro "So This is Permanence" (Faber & Faber) de Ian Curtis é já uma das melhores edições do ano. A edição é da viúva do líder dos Joy Division, Deborah Curtis e do reputado jornalista musical Jon Savage. São quase 300 páginas em capa dura, formato A4, contendo todas as letras de Ian Curtis manuscritas, apontamentos, letras originais, cartas de fãs, textos de jornais e fanzines da época, capas dos livros de preferência de Ian, etc.

A Deborah Curtis e o Jon Savage (sobretudo este) também escrevem textos muito interessantes sobre as dimensões da lírica de Curtis no seio da banda. Essencial para os fãs dos Joy Division, portanto. 

Uma das coisas mais interessantes em Ian Curtis (falecido com apenas 23 anos de idade), é que muito do seu talento e criatividade foram conseguidos à custa de muita leitura. Ian lia compulsivamente desde a adolescência, isto porque na sua apática e pequena cidade de Macclesfield (a 40km de Manchester) pouco mais havia a fazer do que ouvir música e ler. Ian lia alguma da melhor e mais alternativa literatura do século XIX e XX, cultivando a sua mente para as fascinantes e obscuras poesias das canções dos Joy Division.

Segundo este livro "So This is Permanence", Ian Curtis leu apaixonadamente os seguintes autores:

- Friedich Nietzsche
- Franz Kafka
- Rimbaud
- Oscar Wilde
- Antonin Artaud
- H.P. Lovecraft
- Nikolai Gogol
- Baudelaire
- Edga Allan Poe
- T.S. Eliot
- J.G. Ballard
- William S. Burroughs
- Jean-Paul Sartre
- Hermann Hesse
- Dostoievsky
- Aldous Huxley
- Anthony Burgess

E pensando bem, muitos destes escritores e poetas, reflectem-se nas letras de Ian Curtis.

O livro encontra-se à venda na Fnac online por apenas 16,43€ (já com portes incluídos).



domingo, 9 de novembro de 2014

O Muro de Berlim no cinema

Hoje assinalam-se 25 anos da queda do infame Muro de Berlim. Como esta data constitui um importante fenómeno histórico, político, social e cultural do século XX, não podia ter passado impune na produção cultural subsequente. Por exemplo, no que diz respeito ao cinema, alguns bons filmes foram realizados tendo como pano de fundo a chamada "Cortina de Ferro".

Para relembrar este acontecimento no contexto da história do cinema, o crítico de cinema Eurico de Barros seleccionou 10 filmes (feitos antes ou depois da queda) cuja acção, de uma maneira ou de outra, gira à volta do significado e impacto do Muro de Berlim na sociedade europeia (como é o caso da imagem do filme que ilustra este texto, o mítico "As Asas do Desejo" de Wim Wenders). 
Vale a pena averiguar.

Abrir aqui o link.

Picasso sob o olhar de Clouzot


"Le Mystère Picasso" (1956) é um dos mais inspirados e belos documentários sobre arte que conheço. Filmado pelo conceituado cineasta francês Henri-Georges Clouzot, este filme mantém, ainda hoje, uma frescura e uma originalidade invulgares.
Clouzot filma, de forma insuperável, o genial Pablo Picasso em continuadas sessões de pintura. O espectador apercebe-se facilmente quão excepcional é a veia criativa do pintor espanhol, quão espontânea e perfeita. O método pictórico de Picasso é captado pela câmara de Clouzot como um olhar distanciado, mas ao mesmo tempo minucioso, na captura da leveza do traço, das cores e dos movimentos.

"O Mistério Picasso" é, basicamente, um filme sobre a imponência perene da criação artística, sendo o objecto do filme a figura ímpar de Picasso. E é, igualmente, uma notável obra de cinema (Clouzot criou técnicas inovadoras para captar as pinceladas do pintor).

Eis um excerto:

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Uma preciosidade

Páginas do guião original do filme "The Shining" (1980) de Stanley Kubrick com apontamentos manuscritos do próprio (carregar na imagem para aumentar):

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A mensagem de "Eles Vivem"


No filme de culto de John Carpenter "Eles Vivem" (1988), um homem chamado John Nada encontra na rua uns óculos de sol aparentemente comuns. Porém, quando os coloca, para seu espanto, passa a ver o exterior de uma forma completamente diferente: o mundo está a preto e branco, pessoas aparentemente normais são, na verdade, criaturas alienígenas disfarçadas de seres humanos, e mensagens/ordens subliminares que elas transmitem são espalhadas através da comunicação social e na cidade. O planeta Terra fora dominado por forças alienígenas e o cidadão comum nada suspeitava - a não ser que usasse os óculos especiais.
Ora, o tema deste filme de Carpenter mais não é do que uma metáfora social e política sobre o funcionamento das sociedades modernas que, na capa das democracias, revelam tiques de totalitarismo sobre os seus cidadãos. 

Enquanto que na Coreia do Norte essa sociedade opressiva e obediente à força é assumida pelo poder dominante, nas sociedades ocidentais esses mecanismos de domínio são encobertos, indirectos e subliminares. Quanto menos contestação aos ideais impostos pelas autoridades, melhor. Quanto menos pensamento independente face aos valores instituídos, melhor. Quanto mais as pessoas se distraírem na sociedade de consumo, melhor.

John Carpenter teve esse discernimento em 1988 para perceber o estado a que tinha chegado a sociedade moderna. Hoje, em 2014, no domínio absoluto da sociedade tecnológica e digital, esse discernimento é ainda mais premente.








domingo, 2 de novembro de 2014

Friedkin, a biografia

A auto-biografia do realizador William Friedkin foi publicada há um ano. Agora surge a tradução francesa e a espanhola vem a caminho. Mais uma vez o mercado português fica, certamente, de fora.