segunda-feira, 27 de julho de 2015

A modernidade segundo Tati


Numa entrevista à revista Time em 1958 - data da estreia do filme "O Meu Tio" (na imagem) -, o realizador Jacques Tati disse isto sobre o paradoxo da modernidade: 

"Vejam o que nos está a acontecer - esta especialização. A despersonalização está a tirar todo o significado humano à nossa vida quotidiana. Um homem costumava orgulhar-se da forma como conduzia. Agora um carro guia-se sozinho. Uma mãe costumava orgulhar-se dos seus bolos. Agora eles fazem-se sozinhos. Um rapaz costumava orgulhar-se das coisas que inventava para brincar. Agora está soterrado em brinquedos feitos em fábricas. É triste , não é?" 

Estávamos em 1958 e, nessa altura, a sociedade de consumo de cariz tecnológica era um fenómeno cada vez mais crescente e real. Porém, passados mais de 50 anos, Tati continua a ter (cada vez mais) razão na sua feroz crítica ao excesso de tecnologia e de automatização na vida contemporânea. O que ele criticava através do humor era, no fundo, as profundas mudanças de hábitos sociais dos anos 50 condicionados pela pretensa modernidade da mecanização da sociedade de consumo e de massas - desde o tráfego automóvel, o comércio, os hábitos sociais moldados pela tecnologia, a hiper-industrialização do emprego, os pequenos utensílios tecnológicos domésticos, a arquitectura modernista das casas e das grandes cidades, etc. Tudo isto condicionou o modelo de vida social contemporânea e dinâmica das relações humanas, as quais sempre foram mais genuínas e espontâneas na sociedade pré-tecnológica.

O que me suscita uma questão pertinente: à luz dos tempos modernos e da tecnologia digital avassaladora actual, que filme seria "O Meu Tio" - ou "Playtime" - se Jacques Tati o realizasse hoje?

1 comentário:

Rato disse...

Boa pergunta, Victor, que se presta a muitas conjecturas. Mas não é só o Tati. O que diriam dezenas e dezenas de realizadores há muito desaparecidos, sobre a situação do cinema na actualidade? Seria muito curioso saber...