quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Uma questão de bigodes


Quais são as novas tendências da moda? Uma peça de vestuário de um estilista consagrado? Um acessório fashion? Um penteado moderno? Não. A nova tendência da moda é... o bigode. É o que dizem os especialistas. Tanto assim é que até foi criado o Instituto Americano do Bigode em 2006 para recuperar esta tendência capilar no homem (e nalgumas mulheres, sejamos honestos). Como Portugal acompanha sempre as tendências da moda, por cá proliferam vários concursos anuais de bigodes (como o de Gouveia), com homens garbosos que ostentam frondosas pelugens no rosto. Tradição é tradição. E o bigode português é uma tradição. Alguém imagina um polícia português (agora menos, mas houve tempos...) sem barriga proeminente e sem um autoritário bigode? Já repararam que sempre que o Gato Fedorento (sobretudo o Ricardo Araújo Pereira) quer satirizar o português pacóvio ou saloio , o bigode é adereço certo?
A revista Sábado traz uma reportagem sobre a instituição do bigode e refere que há cada vez mais figuras públicas que usam bigode. Está na moda, outra vez. Mas o que é que isso interessa? Não interessa grande coisa, na verdade. Todo este falatório barato para dizer que esta história do bigode me faz lembrar duas coisas (estas sim interessantes): o escritor e dramaturgo italiano Luigi Pirandello e o realizador francês Emmanuel Carrère. Explico: Pirandello, Nobel da Literatura, escreveu um romance chamado "Um, Ninguém e Cem Mil". É a história irónica e trágico-cómica de Vitangelo Moscarda, pai de família e banqueiro influente, que repara um dia que o seu nariz é ligeiramente torto, pendendo para o lado direito. Esta simples constatação sobre uma pequena imperfeição da sua anatomia, leva o personagem aos limites da obsessão, com comportamentos cada vez mais estranhos e levando-o progressivamente à loucura e à quase bancarrota financeira.
O segundo exemplo é o de um filme chamado "La Moustache" (na imagem), com o subtil título português "Amor Suspeito", realizado por Emmanuel Carrère. Neste filme, ocorre que um dia, um homem pensa que vai fazer feliz a esposa e os amigos por rapar o bigode que usava há dez anos. Mas ninguém repara ou, ainda pior, toda a gente faz de conta que não repara. Toda a gente lhe diz que nunca usou bigode? Estará louco? Num caso e noutro (Pirandello e Carrère), assistimos a um fenómeno intrigante quanto curioso: um factor aparentemente banal e insuspeito pode desencadear um conjunto incontrolável de situações (nem sempre benéficas, quase sempre nefastas) na vida de alguém. No primeiro era um nariz ligeiramente torto, no segundo, fazendo jus à introdução deste post, era um bigode. Pormenores que obrigam a uma reflexão sobre a identidade, sobre aquilo que pensamos de nós próprios e o que os outros pensam de nós. Afinal, um bigode, um nariz torto ou até um dente podre contribuem decisivamente para a reflexão interior e para questionar o nosso relacionamento com os outros. E até com a Divindade. Não era Woody Allen que perguntava como poderia Deus existir se existe no mundo sofrimento, pobreza e calvície?

3 comentários:

RUTE disse...

Viste o filme? Eu andei um tempão atrás desse filme porque cometi o erro de traduzir o titulo à letra!

E só quando me inscrevi no MOOXUU é que fiz uma pesquisa por realizador e outra por actores e cheguei à brilhante conclusão que o "Amor Suspeito" era o "Moustache".

Tudo isto porque foi um filme que me deixou curiosa na festa do cinema francês. E neste festival de cinema, os filmes não tem titulo traduzido :-(

Por falar em filmes...já consegui alugar o GERRY. E achei as imagens divinais. E tu já viste o PARIS JE T´AIME? Tem histórias fantásticas.

Unknown disse...

Ainda não vi o Paris Je T'aime...

JLM disse...

Olá, gostei tanto de O Bigode que escrevi uma resenha do livro e do filme no meu blog. Vale a pena!

1 abraço.