O fascínio que os americanos, no geral, têm pela cultura das armas e pela violência advém das reminiscências do Oeste selvagem. O tema foi explorado por Michael Moore no seu documentário “Bowling for Columbine”, e inúmeros ensaios, livros e estudos, têm tentado explicar o fenómeno (ainda há dias uma notícia dava conta de um plano falhado de um jovem em matar colegas de escola). A América não é o país mais violento do mundo. México, Colômbia ou até o Brasil têm índices mais elevados de violência.
No que os EUA são diferentes são no tópico "homicídios sem motivação aparente", aqueles crimes que espantam a opinião pública com os massacres nas escolas ou outros locais públicos. É quase sempre nos EUA que surgem os casos de violência mais espectaculares e mediáticos.
A América é a terra natural dos serial killers (estatisticamente falando), é a terra dos massacres improváveis, dos crimes mais hediondos, inexplicáveis e intrincados (vide o filme “Zodiac” de David Fincher, ou "Elephant" de Gus Van Sant, ou "Henry - Retrato de um Assassino", ou...), dos assassínios de figuras públicas, etc.
E a obsessão dos americanos pela violência e pelo crime é historicamente fértil. Paralelamente, a investigação forense também exerce um grande fascínio junto do cidadão comum. O estudo da mente de um criminoso (sobretudo da de um serial killer) é matéria vasta para dissertações teóricas e científicas. O lado negro da mente humana emerge como matéria de fascínio e de desconcerto perante a racionalidade das coisas.
Na literatura, no cinema e nas séries de televisão, a criminologia, a morte violenta, e as patologias sociais associadas, são temas extremamente recorrentes e explorados até à saciedade. Os sucessos dos últimos anos no campo das séries televisivas têm forte relação com este panorama – CSI, 24, Dexter, Prison Break, Ossos, Lei e Ordem são apenas alguns exemplos.
Na literatura, basta referir o sucesso de Truman Capote com o livro “A Sangue Frio”, espantoso relato semi-jornalístico, semi-ficcional, de um homicídio brutal na América rural dos anos 50.
Haveria muito mais para mencionar, mas fico-me apenas por mais este exemplo: “American Psycho” (na imagem), livro do escritor da chamada Geração X, Bret Easton Ellis (autor de outro livro de culto - "Menos Que Zero"), perturbante retrato de uma viagem ao abismo na violência mas sádica e desbragada, numa sociedade americana dos anos 80 afogada em yuppies corretores de bolsa e endinheirados consumistas.
O livro foi adaptado para cinema pela realizadora Mary Harron (em 2000), com o actor Christian Bale possuído como um urso em fúria. Bale é Patrick Bateman, durante o dia um cumpridor executivo da bolsa, obcecado pelos bens materiais, usa fatos de alta-costura, cultiva o corpo, é calculista e frio, e frequentador de restaurantes elitistas. À noite, Patrick transforma-se num monstro sanguinário e implacável, assassinando, sem dó nem piedade, almas penadas que vagueiam pelos becos de Nova Iorque. Os bens materiais não o satisfazem, e procura excitação na violência mais alucinada.
A visão ficcionada e aterradora do livro de Bret Easton Ellis recalca a ferida aberta que é a violência desmedida e sem motivação aparente na sociedade actual. Reflecte o mal civilizacional e a deriva de um homem que se tornou reflexo da era do vazio, amoral, libertina. Uma América cada vez mais psicótica. Uma América que gosta de ostentar a bandeira da liberdade, da democracia e das oportunidades, mas que também vive num limbo de sordidez, sombras e violência.