sexta-feira, 3 de junho de 2011

O eterno Couraçado


"O Couraçado Potemkine" (1925) de Sergei Eisenstein é um prodigioso objecto cinematográfico sobre a rebelião dos marinheiros do navio Potemkine. O cineasta que tantos problemas teve com Estaline e o poder soviético foi o criador de uma linguagem visual assente no poder da "montagem das atracções", uma ferramenta (técnica e estética) indissociável da vanguarda russa (com Dziga Vertov e Pudovkin) - a arte de colar um plano a seguir ao outro de forma a criar ritmos e significados distintos, formas de expressão visual específicas, conforme as necessidades da narrativa fílmica. Sobre o filme "O Couraçado Potemkine" (1925) não há muito a dizer de tanto que já se disse e escreveu, visto ser, porventura, um dos filmes mais estudados, comentados e citados de todo o mundo. Como fez Brian de Palma no seu filme "Os Intocáveis" (1987), no qual cita (homenageia, ao mesmo tempo) a célebre sequência da escadaria de Odessa - um carrinho de bebé que desce as escadas descontroladamente enquanto se gera um tiroteio.

Lembro-me bem quando vi esta obra-prima de Eisenstein numa sala de cinema. Foi em 1995, inserido num programa de comemorações dos 100 anos do cinema. Já o conhecia da televisão e do vídeo, mas vê-lo numa sala escura e em ecrã gigante era um momento imperdível. A experiência de ver o filme em sala escura foi portentosa, só perturbada por um grupo de estudantes de comunicação (ensino superior) que não sabia ao que estava a assistir. Daí os comentários ingénuos: "filme a preto e branco?". "Ainda por cima mudo e russo?!" Claro que o professor acompanhante não tinha preparado os estudantes para o que iriam ver. Era preciso ter feito uma contextualização histórica, social e artística do filme.

"O Couraçado Potemkine" é um filme que contribuiu enormemente para a evolução estética da linguagem cinematográfica, e uma ode à força do espírito humano, à libertação face à repressão do homem pelo homem. No final, não existe apenas um único herói na revolta do Potemkin, existe também a heroicidade do povo, das massas anónimas.


Para todo sempre, ficará sempre gravada na memória esta que é, porventura, a mais espantosa sequência jamais filmada: o massacre da escadaria de Odessa. A arte da montagem em todo o seu esplendor, a violência gráfica e emocional dos acontecimentos, a tensão psicológica patente no grito mudo da mulher com o filho morto nos braços, os passos ritmados dos soldados cossacos (guarda imperial do Czar russo) a descer a escadaria, as sombras e os esgares do povo a ser trucidado, as estátuas que parecem erguer-se perante tamanha carnificina, em suma, o puro fascínio das imagens a que designámos de arte sétima.

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