Rui Eduardo Paes tem sido um combatente. As suas armas são a sua imensa sabedoria musical/cultural e a sua escrita em livros e imprensa escrita ao longo de quase 30 anos de intensa actividade de crítico e ensaísta. Por isso é o melhor especialista português sobre as novas tendências artísticas contemporâneas no que à música diz respeito e, por inerência, a todo o vasto e complexo pensamento subjacente.
Rui Eduardo Paes, de quem já escrevi várias vezes neste blogue, estuda a problemática das músicas contemporâneas de índole experimental e a significação das estéticas de ruptura face aos valores culturais instituídos. Dito de outro modo, aborda todas as expressões artísticas tidas como de vanguarda, nas suas múltiplas formas e configurações - música electroacústica, free-jazz, improvisada, electrónica, noise, multimédia, erudita contemporânea, computer music, fusões estilísticas bizarras e outras derivações estéticas radicais e alternativas face à cultura "mainstream" dominante.
Rui Eduardo Paes tem sido uma voz crítica única no panorama jornalístico nacional, revelando sempre uma argumentação extremamente bem urdida, lúcida e uma visão histórica dos factos simultaneamente original e pertinente. Analisa eloquentemente os fenómenos artísticos, disseca-os com auxílio de teorias não só musicais como filosóficas e literárias, citando para tal autores tão prementes para a cultura contemporânea como Virilio, Camus, Borges, Sartre, Lyotard, Deleuze, Debord, Heidegger ou Cioran.
Além disso, explora a congeminação de relações entre distintas áreas do pensamento ensaístico, tentando estabelecer elos de ligação entre correntes específicas do pensamento artístico (surrealismo, dadaísmo, pós-modernidade, teoria do Caos, minimalismo, nihilismo...) com outras tantas correntes musicais e artísticas (free jazz, música concreta, electrónica, improvisação, instalações multimédia, cinema experimental, pintura conceptual...).
A novidade que o seu novo livro traz é que o ponto de vista essencial é o ponto de vista político associado às manifestações estéticas contemporâneas. O título é, de resto, todo um programa de intenções: "A" Maiúsculo Com Círculo à Volta". O anarquismo histórico e as suas formas libertárias de expressão são intercaladas, pelo autor, com múltiplas abordagens a músicos, escritores, cientistas ou artistas multimédia. Um livro que, uma vez mais, prova que o autor rejeita o conformismo de pensamento e ousa analisar novas abordagens, novas relações, novos pontos de vista sobres os fenómenos artístico-culturais-sociais-filosóficos do mundo contemporâneo.
Com a edição conjunta da Chili Com Carne e Thisco, o novo livro de Rui Eduardo Paes relaciona as músicas de hoje (jazz, improvisação, pop-rock, noise, electrónica experimental, música contemporânea) com as novas tendências do pensamento libertário, descobrindo analogias mas também desmistificando ideias feitas. Entre os temas percorridos ao longo dos 10 capítulos amplamente ilustrados estão o ocultismo, a espiritualidade, a ciência, a ficção científica, a tecnologia, o amor e o sexo, com referência a autores como Robert Anton Wilson, Hakim Bey ou Murray Bookchin (o livro é ilustrado por vários artistas da Associação Chili Com Carne: Joana Pires, Marcos Farrajota, André Coelho, Jucifer, Bráulio Amado (acumulando o cargo de Designer do livro), José Feitor, David Campos, André Lemos ou João Chambel).
Trata-se pois, de uma obra ousada na forma e no conteúdo; não será de fácil leitura para leitores pouco habituados à torrente de informação criteriosamente debitada por Rui Eduardo Paes (numa página pode ter dezenas de referências a músicos, escritores ou filósofos), mas será certamente uma experiência altamente enriquecedora absorver tamanha sapiência nesta forma tão original e "anárquica" de interpretar a cultura paradoxal característica da sociedade em que vivemos.