quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Martin Rev - Entrevista



Os Suicide foram pioneiros na fusão entre o rock e a electrónica. Martin Rev (electrónica) e Alan Vega (voz) abriram uma ferida profunda na cena punk e pós-punk de Nova Iorque da segunda metade da década de setenta. O álbum homónimo, “Suicide”, lançado em 1977, constituiu a machadada que quebrou a monotonia auto-complacente do punk e revolucionou a estética rock, à base de sons repetitivos e manhosos de um sintetizador velho de Rev e dos devaneios vocais de Vega. Energia, confrontação e revolta sem guitarras eléctricas fizeram do duo um dos mais originais e ousados grupos da música rock. Ainda hoje inúmeros grupos e músicos reclamam o imenso legado dos Suicide. Mas os tempos são outros. Há muitos anos que Martin Rev se lançou numa carreira a solo, procurando, como refere nesta entrevista, um percurso distintivo e uma identidade musical própria. Tentou distanciar-se das referências estéticas dos Suicide, mas a inevitabilidade das conexões são mais do que muitas. E nem podia ser de outra forma, dada a ligação quase umbilical entre os dois músicos que constituem os Suicide.

Editou 7 álbuns em 25 anos de actividade musical a solo. Não se pode dizer que seja exactamente um músico muito prolífico. Como explica isso facto?
Não há grande coisa a explicar. Se estivesse ciente de como funciona todo o mecanismo destas coisas, provavelmente, diria até o contrário, mesmo se juntarmos os álbuns a solo, de grupo e os concertos. Durante muitos anos, naquele tempo, era impossível editar um disco a não ser que se tivesse um bom orçamento por parte de alguma editora. Quanto aos concertos era um pouco diferente, mas eram tão importantes como os álbuns. Por isso tínhamos de nos esforçar a fundo na questão da qualidade da música e no contexto em que ele era criada, em vez da simples quantificação de discos ou de edições.

O seu último álbum, “To Live”, foi editado numa pequena editora de Chicago chamada File 13. À primeira audição, ficamos com a impressão que o álbum respira o legado estético dos Suicide, mas depressa identificamos o seu próprio estilo e linguagem. Concorda?
Parece-me uma abordagem interessante. É claro que qualquer álbum a solo terá sempre algum tipo de referência aos Suicide, até porque sou a mesma pessoa. Mudar os elementos vocais acaba por tornar a minha música mais pessoal.

“To Live” parece conter posições políticas bem vincadas. Como encara a política e os políticos (não só nos EUA mas também no resto do mundo)?
Essa abordagem é ainda mais interessante. O álbum “To Live” não foi uma declaração política declarada, mas não posso negar que está lá. A forma como eu vejo o mundo acaba, de uma forma ou de outra, por se reflectir na minha música. E tenho tendência para expressar ideias políticas mesmo quando não tenho plena intenção disso. Não me interessam muito os políticos dos EUA ou do resto do mundo. Tal como muitos outros cidadãos, simplesmente reconheço o que parece estar justo e humano e o que não está, e aquilo que me parece honesto e o que é falseado. Tento vislumbrar para além do óbvio e isso nem sempre é fácil de conseguir. Parece-me que as prioridades políticas passam mais pela forma como se gere a ganância e os interesses, do que propriamente pelo bem comum do povo em geral.

A editora ROIR reeditou o seu primeiro álbum a solo em 2002 com cinco temas extras. Porque é que decidiu reeditar este álbum?
Decido editar um álbum quando sinto que ele é realmente bom e que tem substância suficiente para ser lançado. E o meu primeiro álbum tinha essa substância que me levou a mim e à editora ROIR a reeditá-lo. Mas não foi uma decisão minha, apenas dei uma oportunidade à ROIR de ouvir o disco e eles fizeram o resto.

Ritmos industriais, rock noisy, programações electrónicas, loops pesados, distorção sintetizada, revolta… são alguns dos conceitos fundamentais para compreender a sua música. Para além destas abordagens, é também verdade que não lhe interessa explorar o formato de canção pop.
Todas essas caracterizações são formas válidas de descrever, num certo sentido, alguns ingredientes da minha música. Mas eu não procuro intencionalmente essa fusão de elementos preconcebidos, ainda que possa começar com alguns desses elementos para dar início ao processo criativo. É tudo uma questão de saber como os sons certos e os valores musicais se encaixam e se digladiam durante o desenvolvimento criativo de um álbum. Quanto à questão do formato convencional de canção, devo dizer que está provavelmente certo quando refere que esse formato não está na minha mente no momento de fazer música. Não rejeito nada à partida, mas é natural que as velhas fórmulas dêem lugar a qualquer coisa de novo e refrescante. Normalmente, quando ouvimos algo desgastado pelas fórmulas do passado, sentimos que essas fórmulas se massificam de forma quase omnipresente. Donde, não tenhamos que ouvir sempre as coisas óbvias.

O que diria aos críticos que o acusam de ter um estilo vocal muito similar ao do Alan Vega nos Suicide?
Creio que há algumas similitudes dado que temos estado a trabalhar juntos há muito tempo, sendo natural que as ideias se misturem sem intenções. Ainda assim, há diferenças entre ambos. Temos qualidades vocais muito distintas, diferentes timbres e usamos as palavras de modo diferenciado. Nunca poderia cantar como o Alan Vega ou vice-versa porque temos posturas vocais e expressivas muito diferentes. O que pode causar alguma semelhança é o facto de haver em nós dois uma necessidade de cantar num género musical que requer uma determinada colocação de voz para as coisas funcionarem. Porém, o Alan utiliza muito mais palavras do que eu, e recorre a uma maior e diversidade se sons, de timbres e de recursos expressivos do que eu. Talvez esses críticos se refiram ao uso dos espaços entre as palavras, que ambos concordámos ser a melhor forma de explorar a voz desde os tempos dos Suicide, ainda que, posteriormente, nas carreiras a solo, tenhamos desenvolvido, cada um à sua maneira, a exploração desses espaços. As nossas formas de abordagem vocal e os processos de composição têm resultados assaz diferentes. Procure ouvir o álbum “American Supreme” [dos Suicide, editado em 2002] e compará-lo a “See Me Ridin” [de Martin Rev, editado em 1996].

Os Suicide são uma das bandas consideradas mais influentes e seminais do rock dos últimos 30 anos. Neste sentido, propunha que fizesse um exercício retrospectivo na sua memória e recuássemos até aos finais da década de sessenta para recordar esses tempos.
Os últimos anos da década de setenta foram grandes anos tais como o são os de agora. Havia uma intensa cena de muitas bandas localizadas em Nova Iorque e, mais tarde, no Reino Unido.

E como foi reencontrar-se com Alan Vega para tocar novamente juntos em digressão durante o último ano?
Eu e o Alan não nos reunimos apenas no último ano para a digressão recente dos Suicide, temo-nos reunido sempre que possível desde que começámos a tocar juntos. Temos feito digressões com regularidade desde meados dos anos 80 e quase continuamente desde 1998. Pelo meio temos dado concertos em Nova Iorque e no resto dos EUA. Por isso, a sensação de me reunir com o Alan, acaba por ser a mesma boa sensação de sempre.

A música electrónica é hoje uma imensa paleta de subgéneros e estilos. Qual é exactamente a sua visão da música que se faz actualmente?
Não tenho propriamente uma opinião acerca da música contemporânea. Quando ouço alguma coisa, basicamente, interessa-me ouvir a forma de abordagem e descortinar como foram trabalhados os elementos musicais para chegar àquele determinado resultado. Utilizo este processo de análise em todos os géneros de música que ouço. Não procuro perder muito tempo em ouvir demasiadas coisas no propósito de aprender com elas só porque são contemporâneas, visto que já estou suficientemente imbuído na música contemporânea. Por isso procuro antes pesquisar trabalhos musicais de outros géneros distintos que possam, de facto, surpreender-me pelo seu lado misterioso e desconhecido.

Como é que habitualmente toca ao vivo? Está sozinho no palco acompanhado do equipamento electrónico ou convida músicos para o acompanharem ao vivo?
Estou aberto a todo o tipo de possibilidades quando actuo ao vivo, desde que me pareça uma solução apropriada, mas por agora – e devido a muitas razões de ordem musical e outras – costumo tocar sozinho.

Entrevista conduzida por Victor Afonso para a revista Mondo Bizarre, Junho 2005

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