segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Noite e Nevoeiro - uma doçura terrífica


Até que ponto o horror pode ter dimensão estética? De que forma pode o homem interiorizar a aniquilação e continuar a assobiar para o lado? O Holocausto é verbalizável?
“Noite e Nevoeiro”, de Alain Resnais (o mesmo realizador de “Hiroshima, Meu Amor” de 1959), foi o primeiro grande documentário sobre o sistema concentracionário e de extermínio criado pelos nazis, sobre o Genocídio e o Holocausto, sendo considerado um marco na História do Cinema. Este filme realizado em 1955, dez anos apenas após a libertação do campo de extermínio de Auschwitz confirma que nenhuma descrição ou imagem pode dar a verdadeira dimensão dos acontecimentos ocorridos. À altura em que “Noite e Nevoeiro” foi realizado, a erva já tomara conta de Auschwitz: o antigo cenário do horror era uma paisagem verdejante, campestre, serena; a ruína do campo ameaçava já a ruína da memória. Era preciso reavivá-la e, para isso, Resnais intercalou o que ele próprio filmou em Auschwitz com imagens de arquivo captadas pelos aliados no fim da guerra ou pelos alemães e com fotografias comentadas com uma lentidão litúrgica, “uma doçura terrífica”, notou François Truffaut. De resto, este célebre cineasta francês disse uma vez que “Noite e Nevoeiro” era o “melhor filme jamais feito”. O filme tem uma voz off impressiva e directa. É a voz do escritor francês Jean Cayrol, combatente da Resistência Francesa que foi preso político no campo de concentração de Mauthausen (Áustria).

O título, “Noite e Nevoeiro”, é retirado do título do livro de Jean Cayrol, “Poèmes de la Nuit et Brouillard”, que por sua vez retirou a expressão ao nome do decreto alemão “Nacht und Nebel”, que estipulava a deportação para locais secretos de pessoas acusadas de conspirar contra o regime nazi. “Noite e Nevoeiro” rejeita quaisquer formatos convencionais de narrativa histórica; expõe factos em vez de os explicar, revela o horror em vez de o compreender. E mais do que tudo, refuta a exploração fácil do sentimentalismo, do apego à emoção dramática, pelo que a câmara de Resnais filma com uma suavidade inaudita, sem cedências ideológicas ou emocionais. A frieza e a neutralidade com que cada plano-sequência é filmado, revela-se uma agulha espetada no espírito humano, como se Alain Resnais perguntasse a cada espectador: “como foi possível?” O filme foi rodado a cores (presente, 1955) e a preto e branco (imagens de arquivo). É assim que o realizador francês aborda a montagem das imagens com as quais apresenta a sua “visão expiatória” do extermínio dos Judeus. Montagem, manipulação e reconstrução de imagens muitas vezes insustentáveis, que "produzem uma forte impressão de irrealidade que dão uma sensação de vertigem àqueles que têm que fazer este trabalho”, nas próprias palavras de Alain Resnais. O rigor ético e estético deste filme, a música subtil de Hanns Eisler (antigo colaborador de Brecht) e a voz carismática de Cayrol fazem de “Noite e Nevoeiro” uma experiência cinematográfica única, para não falar da inerente importância histórica deste documentário.

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