domingo, 29 de junho de 2008

O fantasma de Salazar


No passado dia 27 passou mais um aniversário da morte de António Oliveira Salazar, esse lúgubre timoneiro da pátria durante 40 obscuros anos da vida portuguesa. Como professor, lido com muitas crianças e jovens. E ano após ano, quase sempre por ocasião do 25 de Abril, tenho-me deparado que as novas gerações revelam mais desconhecimento e ignorância perante o Portugal salazarista e do Estado Novo (e esta constatação não advém apenas da preocupação recentemente veiculada pelo Presidente Cavaco Silva). A última vez em que pude constatar mais um flagrante exemplo de ignorância dos jovens perante o período do Estado Novo e da figura de Salazar, foi no dia 27 de Maio. Nesse dia, o Café Concerto do TMG recebeu o músico e cantor Pedro Abrunhosa para uma conversa numa tertúlia informal (moderada por mim). Durante uma hora e meia, os temas da conversa foram variados (de música à política) e sempre objecto de uma análise acutilante por parte de Pedro Abrunhosa.
Goste-se ou não da sua música (e eu não gosto) ou da sua imagem (e eu não gosto), a verdade é que Abrunhosa revela um discurso fluente, assertivo e pragmático - com opiniões próprias. Considera que as suas opiniões são quase sempre inconvenientes e inconformadas, fruto da sua formação política adquirida ainda muito jovem (foi no 25 de Abril, quando o cantor tinha 13 anos, que a sua consciência social e política desabrochou). Pedro Abrunhosa confessou-se desiludido com a classe política, com o estado débil da democracia e com o conformismo da sociedade portuguesa perante os problemas crescentes. Considera que os políticos deveriam ouvir o que têm para dizer os artistas (filósofos, músicos, escritores), visto que encontra na arte o último recurso para desvendar novas soluções para os problemas da sociedade. Defende ainda que o papel da arte deve ser o de subverter e o de inovar, de modo a alargar os horizontes culturais, ideológicos e estéticos da população.
E onde se encaixa o tema de Salazar neste contexto? Aqui: num determinado momento da conversa, Abrunhosa disserta sobre o panorama político, soltando as mais rudes críticas à actuação dos políticos perante uma depressiva situação social e cultural do pais. Num dado ponto do seu discurso, refere o estado lastimoso a que chegou a educação e a gritante ausência de coordenadas políticas no sector cultural. Quando os espectadores da tertúlia puderam intervir formulando perguntas ao cantor, houve uma jovem estudante (do secundário ou superior, não posso precisar) que fez a seguinte pergunta (cito de memória): "o Pedro Abrunhosa disse que a educação em Portugal está má e que isso se deve ainda à herança de Salazar; mas não concorda que Salazar era um maior defensor da educação e da cultura do que os actuais políticos?". Pedro Abrunhosa respondeu peremptoriamente que não concordava, e passou a explicar porquê, dando uma autêntica aula de história de Portugal à jovem. No fundo, explicou o óbvio a uma estudante que ignorava os factos ou fazia de conta que os desconhecia: referiu porque é que o ditador do antigo regime era um político amarrado no tempo, avesso ao progresso, retrógrado nas ideias, ultra-conservador e responsável pelo atraso cultural, educativo e social de um povo aprisionado na trilogia dos três F’s defendida por Salazar: Fátima, Futebol e Fado.
Não sei se este caso desta aluna reflecte a realidade geral dos jovens, mas a verdade é que grassa muita ignorância sobre os valores perniciosos do regime fascista e sobre as conquistas da Revolução de Abril. Culpa das escolas? Dos políticos? Dos jovens que vivem afanosamente o presente e desprezam a história do passado recente? Da contra-informação disponível na net que legitima a figura fascista do "Obreiro da Pátria"? É que basta entrar neste site para ficar, seriamente, assustado (o desvario vai ao cúmulo de se lançar um abaixo-assinado para substituir a designação de ponte 25 de Abril por ponte Oliveira Salazar!).

5 comentários:

João Lisboa disse...

Declaração prévia - 1: o Estado Novo foi um regime ditatorial, repressivo, inimigo das liberdades, colonialista e iníquo, responsável por cerca de 40 anos de atraso (a diversos níveis) em Portugal.

Declaração prévia - 2: tenho plena consciência de que o que vou dizer a seguir não pode nem deve ser lido "tal qual" e exige contextualização e relativização.

Dito isto:

1) a utilização dos famigerados "três éfes" - Fado, Futebol e Fátima -, durante o Estado Novo, comparada com a actual, era uma brincadeira amadora de "manipuladores" de vão de escada. Se, em relação ao fado, até, daí, não virá grande mal ao mundo (pelo contrário: Camané e Cristina Branco NÃO SE CALEM!), já "Fátima" (as reportagens nos trezedemaios, a cobertura nauseabunda da agonia do papa, os funerais dele e da bruxa Lúcia...) e o Futebol (só num dia de jogo "de selecção" x "n" canais" deve haver mais horas de bola do que num ano inteiro do Estado Novo) a comunicação social "democrática" esmaga por KO ao primeiro segundo a pindérica "informação e propaganda" salazar-marcelista.

2) Na RTP do Estado Novo, em horário nobre (sim, à hora actual "da telenovela" e pepineiras afins), passavam programas de poesia de David Mourão Ferreira, Joaquim Manuel Magalhães, de música, de Vitorino de Almeida, de Vitorino Nemésio, ou até o Zip-Zip.

Convém não retirar conclusões apressadas. Mas vale a pena pensar nisto um bocadinho.

Abraço, Vítor.

Unknown disse...

Caro João:

Claro que vale a pena pensar nisto um bocadinho. Ou até mais do que um bocadinho. A verdade é que acabo por concordar, na generalidade, com o que refere sobre as diferenças de tratamento das coisas da cultura no Estado Novo e agora. Conheço bem como era a realidade televisiva antes do 25 de Abril (não a experienciei, mas conheço bem os factos históricos até pela experiência familiar), sei bem que havia em horário nobre programas de divulgação cultural e educativa à volta das palavras e dos sons. O que leva a pensar que, em pleno regime democrático e de pluralidade expressiva, seja um paradoxo que o espectro televisivo esteja reduzido à total boçalidade. A sociedade é outra actualmente, é uma sociedade de massas e globalizada, não é mais a sociedade mesquinha, paroquial e remetida no seu quintal provinciano como queria profetizar Salazar e Caetano (menos este, mas enfim...). As televisões que temos são um reflexo do abastardamento de muitas coisas em Portugal (da política à comunicação social) e tenho a certeza que a tendência (pegando nos vários exemplos que deu) do panorama audiovisual pode ainda cair mais baixo, bater no total charco da critério e de credibilidade.

Mas reparemos numa coisa: o exemplo que dei no post sobre Salazar foi com base numa intervenção de uma estudante sobre o estado da educação e não sobre o panorama televisivo (ainda que ambos aspectos estejam, de uma forma ou de outra, interligados). E o que a moçoila asseverou era que achava que Salazar tinha uma visão da educação mais positiva do que a visão política actual. Ora, neste ponto específico, não posso deixar de manifestar a minha total discordância. A educação para Salazar era um meio institucional de controlo do povo, um veículo para o seu embrutecimento cultural, um meio de promoção dos valores régios do ditador: família, pátria e autoridade (título de um documentário sobre o tema de Rui Simões). E a escola era o espaço predilecto para estes ensinamentos conservadores e arcaicos. Uma escola que em nada era laica (pelo contrário, a conivência com a igreja do Cardeal Cerejeira era mais do que óbvia - e repelente, digo eu), uma escola que discriminava as raparigas, uma escola repressiva e fechada sobre si mesma. Apesar de todos os defeitos da escola pós-25 de Abril (que os tem), custa-me a crer que haja quem pense que o sistema de ensino funcionava melhor (ou era de melhor qualidade ou whatever) antes com Salazar do que agora.

Abraço,
VA

Jorge Silva disse...

O sistema de ensino de Salazer podia ter um ou outro ponto positivo, como tudo há que conservar as boas práticas, imprtar as boas práticas de fora e, sobretudo, adaptar-nos à rápida mutação da sociedade. Por norma não gosto, nem permito (às vezes cedo...) que tentem manipular a minha intelectualidade. Boa ou má, forte ou fraca, ela é o que é e é a que tenho. Assim, tento não ir na conversa de mais ou menos extremistas de esquerda anti-Salazar nem pseudo "wannabe's" neo-fascistas adoradores de Salazer.

Mas Salazar já passou há mais de 33anos e a culpa ainda é dele...

É melhor começar a olhar em frente porque a desculpa do Salazar prende-nos a este "status quo" e temos de sair dele "ontem"!!

O estado da educação em Portugal, nesta época, é vergonhosa. A política (sim, a culpa disto NÂO é dos professores como os políticos querem fazer crer) educativa em Portugal está a hipotecar o futuro dos nossos filhos e netos e, por conseguinte, deste país.

A ditadura Azul apenas é diferente da Ditadura Vermelha na cor porque o cheiro é mesmo o de....fezes!!!

Ana Cristina Leonardo disse...

desculpem a pergunta pouco politizada: o Abrunhosa continua a usar óculos escuros, 33 anos depois da queda do fascismo?

Unknown disse...

É verdade!