terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A poesia visual de Béla Tarr

Se me perguntarem qual o melhor realizador vivo em actividade, muito provavelmente responderia: Béla Tarr. No panorama do cinema de autor contemporâneo, Béla Tarr é o realizador mais talentoso. Mais do que Sokurov, do que Kaurismaki, do que Nuri Ceylan, o cineasta húngaro é o esteta por excelência, o visionário que desenvolveu uma linguagem visual própria (só filma a preto e branco), que abordou a deriva existencial do homem moderno. Os seus filmes são como poemas visuais em permanente estado de graça. Personagens cruas e paisagens desoladoras, histórias minimalistas e místicas (na senda da inevitável referência Tarkovski), fotografia absorvente e intrigante. Depuração plástica a toda a prova. Tarr é um estilista da imagem que joga com a luz e as trevas.
Béla Tarr é um dos mais prodigiosos realizadores que conheço. Filma como se não existisse câmara, como se o olhar do espectador fosse a própria câmara. A forma como compõe a extraordinária "mise-en-scène" dos seus filmes e o modo como opera os longos movimentos de câmara (tem planos-sequência de 10 minutos) são estímulos para os sentidos. Gus Van Sant é um admirador do cineasta realizou o magnífico filme "Gerry" a pensar em Béla Tarr (não só este filme, como também "Elephant"). Conheci o seu trabalho com uma edição em DVD de dosi dos seus mais célebres filmes: "Damnation" (1988) e "Werckmeister Harmonies" (2000), à venda na Amazon.
Béla Tarr é um dos realizadores mais radicais na opção pelo recurso do plano-sequência. Impressiona pela maneira como os seus filmes progridem como se se tratasse de um transe colectivo, que contamina os actores, a encenação e, por consequência, o espectador, desde que este se deixe envolver pelas histórias que se transformam em adágios visuais a preto e branco.
A obra de Tarr mais ambiciosa, bela, negra e épica é o filme "Sátántangó" ("Satan's Tango"), com sete horas de duração. Um espantoso fresco moderno sobre a vida conturbada de uma família rural húngara. Não é um cinema fácil e de aceitação imediata, sobretudo para os espectadores habituados à linguagem "videoclip" do cinema de Hollywood (ou de grande parte do cinema de Hollywood). O cinema de Béla Tarr é um cinema de estilo e austero, de muitas subtilezas visuais, de um ritmo pausado e de grande exigência formal, que solicita do espectador uma atenção e assimilação especiais.
A novidade é que Béla Tarr estreou um novo filme no último festival de Cannes, baseado num conto do escritor policial George Simenon, "The Man From London" (candidato à Palma de Ouro), o qual obteve críticas dividadas. Estranhamente, o filme de Tarr não teve estreia em salas portuguesas (como não tiveram todos os anteriores filmes). Foi lançado directamente no mercado DVD.
Béla Tarr é um assumido "outsider", não tem site oficial, recusa entrevistas de jornalistas, não faz campanhas de promoção dos seus filmes. É um genial artista solitário e misantropo, como tantas das suas personagens dos seus filmes. De seguida, uma sequência do filme "The Man From London", a única sequência disponível no YouTube. É um único plano-sequência de 9 minutos. Repare-se na mestria como a câmara se move e filma todo o espaço em redor, cenários e personagens. Quem mais filma desta maneira em todo o mundo?

4 comentários:

Anónimo disse...

Bato-me por essa causa já há vários anos. E fiz questão de colocar O Homem de Londres (que é quase tão genial como o Damnation e o Satantango) entre as 10 melhores estreias comerciais do ano, apesar de o filme ter sido abandonado à sua sorte no circuito de aluguer. Um abraço.

Unknown disse...

Caro Vasco:

Obrigado pelo comentário. Eu li a tua crítica no Expresso e foi nesse texto, precisamente, que fiquei a saber que "O Homem de Londres" tinha sido despejado directamente para DVD.
Já andei à procura na internet mas ainda não descobri qual a editora/distribuidora do filme nem quando estará disponível (para venda? aluguer apenas?).
Há informações precisas?

Saudações cinéfilas,
VA

Anónimo disse...

Tanto quanto sei, a Lusomundo comprou o filme e lançou-o em Novembro no circuito de aluguer (apenas) - o que significa, desde logo, matar o filme à nascença. Pode ser que o coloquem em venda directa agora no início do ano, mas não tenho muitas esperanças a esse respeito. Eu consegui «apanhar» o filme em Setembro, na Cinemateca, e posso dizer que não me desiludiu nem um bocadinho. Um abraço e bons filmes para 2009.

Maria disse...

infelizmente só vi os primeiros 15 min do Sátántangó numa aula de História do Cinema e de facto é qualquer coisa de extraordinário.