Desde há uns anos a esta parte, o mercado livreiro em Portugal edita uma avalanche de livros sem interesse nenhum: livros escritos, supostamente, por celebridades oriundas dos meandros da televisão e da moda (que escrevem "romances"), de reality shows desprezíveis, do futebol, da gastronomia dita gourmet, do jornalismo sensacionalista, da blogosfera, etc.
Resultado: todos os dias vemos nos escaparates, em grande destaque, livros inúteis sobre auto-ajuda, sobre como atingir os vários estados de felicidade, sobre astrologia e tarot, sobre viagens de sonho à Gronelândia sem gastar dinheiro, sobre políticos e banqueiros corruptos, sobre temas históricos mais do que explorados, livros de "literatura ultra-light" formatada, fútil e supérflua, livros sobre histórias eróticas (como se fossem novidade literária!), sobre crónicas políticas anteriormente editadas num jornal dito de "referência", sobre a problemática das relações amorosas em tempos de crise, sobre como nos devemos vestir em estilo "trendy", sobre dietas milagrosas, enfim, uma montanha de edições prontas-a-consumir num tempo de vacuidade cultural como diria o filósofo contemporâneo francês Gilles Lipovetsky.
E a verdade é que, paradoxalmente, apesar da crise da venda de livros, é cada vez mais fácil a qualquer pessoa com o mínimo de visibilidade mediática (sim, porque esta é uma premissa importante para as editoras) editar um livro sobre a mais improvável temática. Ainda que não tenha interesse nenhum. Dir-me-ão: "Mas há público para comprar estes produtos". Claro que há. Assim como há público para ver programas de puro lixo televisivo.
Pensando bem, indo ao encontro da tendência do mercado livreiro, eu próprio poderia apanhar a onda e editar um livro com o muito material que já publiquei, ao longo de oito anos, neste blogue O Homem Que Sabia Demasiado. Reunia as publicações que considerava serem as mais interessantes e editava um livro. Mas havia vários problemas para ultrapassar:
Problema número 1: Dificilmente conseguiria reunir um conjunto de textos suficientemente bons para incluir num livro.
Problema número 2: Mesmo que o conseguisse, dificilmente encontraria alguma editora interessada para concretizar a edição.
Problema número 3: Ainda que houvesse alguma editora interessada, o autor deste blogue não é mediático, não aparece na televisão nem tem milhares de page views por dia como o blogue A Pipoca Mais Doce (que já vai no terceiro livro).
Problema número 4: Mesmo que o livro fosse, deveras, editado, quase de certeza que só o compraria a meia-dúzia de leitores mais fiéis deste blogue, os meus pais e o meu amigo de infância que, mesmo não gostando do cinema de Béla Tarr, diz que aprecia só para me agradar.
E é isto.
3 comentários:
Ora ai está um plot interessante "No Country for brain man"
O isolamento e abandono das comunidades artísticas e intelectualmente ricas por parte de de uma raça humana estupidamente homogénea.. (ao estilo Gattaca)
E quanto menos sucesso comercial o filme tivesse mais acertada era a crítica
Basta o Victor querer e terá uma editora a editar um livro sobre o seu blog! É preciso é pagar pela edição. Eu próprio estou a pontos de publicar um!! É uma história original minha que gostaria de ver publicada. É um investimento - provavelmente sem retorno, mas faz parte da experiência e da vida que eu vivo.
P.S. Continue a escrever que eu continuo a ler!
Obrigado.
Não tenho dúvidas que o seu blogue daria um óptimo livro. A selecção é que seria difícil. No meio de muito lixo, há blogues imperdíveis como o seu (por isso recebo as publicações no meu email e, quando não posso ler de imediato, leio mais tarde, porque ficam guardadas). O problema das publicações na net é que elas não substituem a materialidade e a sensação de proximidade que o livro nos traz. Mesmo com esse inconveniente, há muito valor na blogosfera (o lixo, esse, leva o mesmo tratamento que o lixo físico...). Cabe a cada um escolher o que quer. É uma pena que, no mercado editorial, vença a vacuidade e o lucro fácil. No entanto, ainda existem editoras corajosas e que marcam a diferença. Continue, porque (desculpe contrariá-lo) de certeza que não tem apenas meia dúzia de leitores fiéis. Bom fim de semana.
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