Como começar? Talvez dizendo que, quanto a mim, o único filme verdadeiramente extraordinário de Chris Nolan é "Memento". Não achei deslumbrante "The Dark Knight", apenas um bom filme de entretenimento que contou com a memorável interpretação de Heath Ledger. "Insomnia" e "The Prestige" foram filmes que gostei, mas não foram suficientes para ver em Nolan um novo Hitchcock como alguma imprensa quer fazer querer. Nolan é um realizador talentoso, sem dúvida, sabe mexer-se entre vários géneros cinematográficos, cultiva um gosto pelos tons sombrios da mente humana (tema que me agrada), sabe imprimir ritmo à montagem, mas ainda assim não é Scorsese quem quer (muito menos Hitchcock).
"Inception" desiludiu-me. Ponto.
Tanto alarido à volta dos (alegados) revolucionários efeitos visuais e nada que tivesse espantado por aí além. O filme conta com duas ou três cenas de efeitos especiais mais impactantes - Paris a dobrar-se, as explosões no meio dos protagonistas impávidos, as sequências com gravidade zero... Parece que Nolan iria, à semelhança do primeiro "Matrix", marcar a história do cinema com inovadoras sequências de acção. Nada mais errado. E por falar em acção: a segunda parte do filme, está demasiado recheada de cenas de acção puramente banais e repletas de clichés (excessiva cedência comercial?): tiroteios, perseguição automóvel, explosões, mais tiroteios, luta corpo a corpo... Para alguns estes momentos podem funcionar como catarse, excitação, empolgamento. Para mim foram... aborrecidos e previsíveis. Nolan ainda não atingiu a perfeição de um Michael Mann no que se refere a como filmar insuperáveis cenas de acção.
Quanto ao argumento, tido por muitos como complexo (a exigir um segundo visionamento) é, quanto a mim, um debitar de lugares-comuns sobre o consciente e subconsciente da mente, filosofar sobre o real e o virtual, uma abordagem freudiana-via-Ficção-Científica sobre os enigmas eternos do desejo, da culpa, do medo, do controlo da vontade humana, da manipulação. O filme aborda esse mundo enigmático e fascinante do sonho, mas mesmo sem a sofisticação dos efeitos especiais do filme de Nolan, há mais surrealismo, fantasia, mundos paralelos, exploração do subconsciente razão vs. onírico num qualquer filme de Luis Buñuel do que neste "Inception".
Parece óbvio que o conceito "Matrix" serviu de paradigma a Nolan para o argumento do filme: a "Alegoria da Caverna" de Platão - a dicotomia realidade - mundo das sombras (ou dos sonhos) - é esmiuçada sem grandes surpresas. Veja-se até a similitude entre a forma como, em "Matrix", Morpheus explica a Neo, nas ruas da cidade, a diferença entre a realidade e o mundo alternativo e a forma como DiCaprio explica a Ellen Page quase o mesmo nas ruas de Paris. Os pressupostos são quase idênticos. O argumento tem pontas soltas, elementos sem explicação, mesmo no contexto da fantasia dos sonhos (não quero aprofundar esta matéria para não causa "spoilers"). Leonardo DiCaprio parece repetir, em piloto automático, o papel que tivera, um ano antes, em "Shutter Island" (sem a vertente paranóica do personagem do filme de Scorsese).
Ellen Page não tem maturidade e experiência para um papel tão exigente - nunca convenceu como a grande arquitecta dos sonhos. Até Mariion Cotillard parece subaproveitada num papel previsível que se adivinhava ser o cerne do problema de toda a história (engraçado o facto da música "La Vie en Rose" servir de mote para a acção, quando foi esta actriz francesa que encarnou Edith Piaf há uns anos).
Outro aspecto que me desagrada nos filmes de Cristopher Nolan e que está bem patente em "The Dark Knight" e neste "Inception": o excesso de música. Gosto muito de música para cinema e até considero que a partitura de Hans Zimmer é expressiva e com força dramática. Só que 90% (se não for mesmo 95%) da duração do filme têm música. E o excesso de música num filme como este acaba por ser contraproducente. Sobretudo na última meia hora de película, a música quase que se sobrepõe à acção e aos diálogos, sem dar descanso ao espectador, sem dar importância aos sons do meio ambiente do filme (sonoplastia), ao silêncio, tão importante quanto a banda sonora. À força de o realizador querer incutir emoção e dramatismo com a omnipresença da música, acaba, quanto a mim, a produzir um efeito contrário: indiferença, previsibilidade e cansaço. Senti-me mesmo esgotado no final do filme (e não era só porque o filme acabou às 3 da manhã), sensação idêntica à que senti no final do "The Dark Knight".
Jorge Mourinha, do Público, refere que Nolan será dos poucos cineastas a trabalhar no "mainstream" de Hollywood com marca de autor. Percebo o teor desta afirmação, mas custa-me a acreditar nela. Nolan é um realizador competente, um artífice com créditos firmados, tem ideias interessantes para os seus filmes, mas "Inception" não me arrebatou nem me fez convencer que estamos na presença de um "novo" Hitchcock (pelos motivos apontados). A grandiosidade operática em jeito de thriller revelou-se, afinal, uma opereta superficial-arty sem resultados artísticos irrefutáveis. "Inception" valoriza o lado frio, matemático e cerebral da narrativa, em detrimento da emoção, da fruição, do prazer estético.
E mais surpreendente, para mim, é constatar que "Inception" esteja já no terceiro lugar da lista dos 250 melhores filmes de sempre do Imdb.com. Um exagero apenas com justificação no reino dos sonhos mais profundos...