Parabéns a este senhor. Prémio merecidíssimo.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Cahiers du Cinéma - mês a mês
Hoje saiu mais um número da colecção Cahiers du Cinéma do Público. É sobre o mestre Scorsese e a sua obra-prima (entre outras que realizou na sua carreira) “The Raging Bull”. Em conversa com um amigo que também está a seguir esta colecção, dizia-me que, sendo cada edição (livro + DVD) a 9,95€, por mês teria de se gastar perto de 40€. Tratando-se de uma colecção de 25 lançamentos, o coleccionador cinéfilo terá de desembolsar a quantia total de 248,75€. Confesso que foi coisa que nunca pensei quando iniciei a dita colecção. Bem vistas as coisas, são quase 50 contos na moeda antiga – montante que não pagaria se tivesse de pagar a pronto. Mas como em muitas outras situações da vida consumista, adquirir em suaves prestações quase nem se nota…
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Este cinema não é para todos
Há várias coisas que impressionam no oscarizado filme "Este País Não é Para Velhos" dos irmãos Coen. Uma delas - indo completamente contra a corrente convencional da linguagem fílmica actual- é a total ausência de banda sonora. Esta opção acaba por contribuir para dar uma maior dureza às imagens dramáticas do filme. A narrativa, sem música para suavizar ou intensificar emoções, transforma o visionamento da obra dos Coen numa experiência extremamente crua e austera (no bom sentido), quase como se estivéssemos a presenciar uma reportagem documental. Não há música, mas há sons e diálogos elaborados de forma prodigiosa. E há o final, dos finais mais crus e desarmantes que alguma vez vi em cinema. Um final de filme que é a antítese do princípio, muito mais poético e alegórico. E claro, neste final o espectador volta a receber sem piedade a frieza dos créditos finais sem música. Imagem. só imagem.
"Este País Não é Para Velhos" é um portentoso filme sobre a ganância, a violência que esta acarreta (terrível violência, como vimos no filme de gangsters "Miller's Crossing"). É um filme que lança um olhar cáustico e desamparado para o desajustamento dos "velhos" face às transformações que o mundo moderno trouxe (como é expresso no diálogo entre o personagem de Lee Jones e de outro xerife). Joel e Ethan Coen misturam, neste filme, as referências estéticas dos géneros western e thriller com uma pitada de policial. E o resultado é explosivo. Há planos, enquadramentos, movimentos de câmara que são pura poesia visual. Há jogos de sombras (magnífica fotografia) que impressionam. E há Javier Bardem. Um Bardem que encarna um dos psicopatas mais perturbantes e obsessivos da história do cinema (e nesse capítulo, a competição é forte). O seu "horrível corte de cabelo", como referiu na entrega do Óscar, só acentua a sua figura quase esfíngica, o seu olhar demolidor. Imprescindível.
América psicótica
Recentemente, um novo massacre foi perpetrado por um estudante numa Universidade Norte-americana (Illinois). Stephen Kazmierczak, um ex-estudante de Sociologia daquele Universidade, sem precedentes criminosos, colega afável mas solitário, irrompeu no auditório no passado dia 14 de Fevereiro, disparando indiscriminadamente. Matou 5 alunos, feriu 16. Certa comunicação social culpabiliza o facto do assassino ser viciado num jogo de vídeo violento (“Counter Strike”) como causa para a matança. Este jogo é muito popular entre a comunidade virtual e é jogado por muitos milhões de jovens em todo o mundo. Serão todos potenciais assassinos? Claro que a resposta é complexa e mexe com vários factores. Quase previsivelmente, este não será o último tiroteio em massa a ocorrer em locais públicos nos EUA. A violência está inscrita nos genes da América. O fascínio que os americanos têm pela cultura das armas e pela violência advém das reminiscências do Oeste selvagem. O tema foi explorado por Michael Moore no seu documentário “Bowling for Columbine”, e inúmeros ensaios, livros e estudos, têm tentado explicar o fenómeno. Os homicídios, sem motivação aparente, continuam a espantar a opinião pública (todavia, por vezes esquecemos que a América não é o único país violento do mundo; só durante os dias de Carnaval do Rio de Janeiro foram assassinadas 80 pessoas). Mas é quase sempre nos EUA que surgem os casos de violência mais espectaculares e mediáticos. A América é a terra natural dos serial killers, é a terra dos massacres, dos crimes mais hediondos e intrincados (vide o filme “Zodiac” de David Fincher), dos assassínios de figuras públicas. E a obsessão dos americanos pela violência e pelo crime é historicamente fértil. Paralelamente, a investigação forense também exerce um grande fascínio junto do cidadão comum. O estudo da mente de um criminoso (sobretudo da de um serial killer) é matéria vasta para dissertações teóricas e científicas. O lado negro da mente humana emerge como matéria de fascínio e de desconcerto perante a racionalidade das coisas.
Na literatura, no cinema e nas séries de televisão, a criminologia, a morte violenta, e as patologias sociais associadas, são temas extremamente recorrentes e explorados até à saciedade. Os recentes sucessos no campo das séries televisivas têm forte relação com este panorama – CSI, 24, Dexter, Prison Break, Ossos, Lei e Ordem são apenas alguns exemplos. Na literatura, basta referir o sucesso de Truman Capote com o livro “A Sangue Frio”, espantoso relato semi-jornalístico, semi-ficcional, de um homicídio brutal na América rural dos anos 50. Haveria muito mais para mencionar, mas fico-me apenas por mais este exemplo: “American Psycho” (na imagem), livro do escritor da chamada Geração X, Bret Easton Ellis, perturbante retrato de uma viagem ao abismo na violência mas sádica e desbragada, numa sociedade americana dos anos 80 afogada em yuppies consumistas e falsa serenidade social. O livro foi adaptado para cinema pela realizadora Mary Harron (2000), com o actor Christian Bale possuído como um urso em fúria. Bale é Patrick Bateman, durante o dia um cumpridor executivo da bolsa, obcecado pelos bens materiais, fatos de alta-costura, culto do corpo e restaurantes elitistas. À noite, Patrick transforma-se num monstro sanguinário e implacável, assassinando, sem dó nem piedade, almas penadas que vagueiam pelos becos de Nova Iorque. A visão ficcionada de Bret Easton Ellis recalca a ferida aberta que é a violência desmedida e sem motivação aparente. Reflecte o mal civilizacional e que se tornou o homem nesta era do vazio. Uma América cada vez mais psicótica. Uma América que gosta de ostentar a bandeira da liberdade, da democracia e das oportunidades, mas que vive num limbo de sordidez e violência.
Na literatura, no cinema e nas séries de televisão, a criminologia, a morte violenta, e as patologias sociais associadas, são temas extremamente recorrentes e explorados até à saciedade. Os recentes sucessos no campo das séries televisivas têm forte relação com este panorama – CSI, 24, Dexter, Prison Break, Ossos, Lei e Ordem são apenas alguns exemplos. Na literatura, basta referir o sucesso de Truman Capote com o livro “A Sangue Frio”, espantoso relato semi-jornalístico, semi-ficcional, de um homicídio brutal na América rural dos anos 50. Haveria muito mais para mencionar, mas fico-me apenas por mais este exemplo: “American Psycho” (na imagem), livro do escritor da chamada Geração X, Bret Easton Ellis, perturbante retrato de uma viagem ao abismo na violência mas sádica e desbragada, numa sociedade americana dos anos 80 afogada em yuppies consumistas e falsa serenidade social. O livro foi adaptado para cinema pela realizadora Mary Harron (2000), com o actor Christian Bale possuído como um urso em fúria. Bale é Patrick Bateman, durante o dia um cumpridor executivo da bolsa, obcecado pelos bens materiais, fatos de alta-costura, culto do corpo e restaurantes elitistas. À noite, Patrick transforma-se num monstro sanguinário e implacável, assassinando, sem dó nem piedade, almas penadas que vagueiam pelos becos de Nova Iorque. A visão ficcionada de Bret Easton Ellis recalca a ferida aberta que é a violência desmedida e sem motivação aparente. Reflecte o mal civilizacional e que se tornou o homem nesta era do vazio. Uma América cada vez mais psicótica. Uma América que gosta de ostentar a bandeira da liberdade, da democracia e das oportunidades, mas que vive num limbo de sordidez e violência.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
O bife existencialista
O mesmo título X 2
O critico do Público Mário Santos escreveu, no último suplemento Ípsilon, uma crítica literária a duas edições distintas da obra “A Morte de Ivan Illitch” de Lev Tolstoi. Uma edição é da Dom Quixote, outra da Relógio D'Agua. Essas duas edições têm, naturalmente, traduções distintas (directamente do russo). Na apreciação crítica à qualidade da tradução de cada um dos livros, Mário Santos argumenta que, numas partes gostou mais de uma tradução, outras partes gostou mais da outra. E esclarece o leitor: "o melhor que os leitores podem fazer é ler as duas". Bingo. Não sei como é com a generalidade dos leitores, mas comigo é assim: se já tenho tão pouco tempo livre para ler um livro, não sei como arranjar ainda mais tempo para ler... duas vezes o mesmo título? Até nem enjeitaria a possibilidade, mas parece-me que é um preciosismo de quem tem muito tempo disponível. Só pode.
Alvin Toffler
Alvin Toffler esteve pela primeira vez em Portugal para participar no III Congresso da Ordem dos Biólogos, sobre “Bioeconomia”, que decorreu na Reitoria da Universidade de Lisboa. Toffler é um dos mais importantes e influentes ensaístas da segunda metade do século XX. Nos anos 70 intuiu, com rara inteligência, os contornos sociais e políticos da nova sociedade moldada com base na tecnologia e na globalização cultural. Os seus livros constituíram autênticos paradigmas de pensamento (não sem contestação, realce-se) sobre o impacto da comunicação tecnológica de massas nas sociedades mdoernas. “O Choque do Futuro” e “A Terceira Vaga” são os títulos mais conhecidos e reconhecidos de Toffler. Em Portugal dissertou sobre vários assuntos, como política ("vou votar Obama"), publicidade ("as crianças deveriam ser ensinadas na escola sobre como ver e interpretar a publicidade") e educação ("o modelo actual de escola está falido e tem de ser repensado com vista a responder aos desafios da sociedade moderna"). A verdade é que Alvin Toffler não trouxe nenhuma novidade ao mundo com estas declarações, uma vez que são já ideias defendidas por outros autores. O modelo da educação ocidental convencional tem sido rebatido desde os anos 60; os psicólogos infantis mais esclarecidos já alertaram, há muito tempo, para os efeitos nefastos da publicidade e da inerente sôfrega sociedade consumista. Só não se sabia ainda que Toffler iria votar Obama. Mas quem é que nos EUA - e não só - não está excitado com a ascendente carreira política de Barack Hussein Obama?
Joy Division, outra vez (e ainda bem)
Depois de Anton Corbijn ter realizador um dos melhores filmes de sempre sobre uma figura musical ("Control", sobre Ian Curtis), eis que em breve surgirá nos grandes ecrãs um novo filme (no género documentário) sobre a mítica banda de Manchester, os Joy Division. Dirigido por Grant Gee, que realizou há uns anos o documentário “Meeting People Is Easy”, sobre os Radiohead) e com argumento de Jon Savage (o mesmo que escreveu o clássico “England’s Dreaming”, sobre o punk britânico), “Joy Division” vai revelar aos fãs da banda muitas imagens de arquivo, como cenas do primeiro concerto dos Sex Pistols em Manchester, em 1976 (assistido por Ian Curtis, Peter Hook e Bernard Sumner - vivência retratada em "Closer") e de espectáculos dos Joy Division. Peter Hook, baixista dos Joy Division e dos New Order, já veio dizer que o documentário "Joy Division" é um perfeito complemento e resposta ao filme de Corbijn. Estreia dia 2 de Maio em Inglaterra. Roamos as unhas à espera da estreia portuguesa.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Paula Rego vende barato
Eis um quadro da consagrada pintora portuguesa Paula Rego. Chama-se "The Egyptian Cats", data de 1982, e vai ser leiloado quinta-feira, no Centro Cultural de Belém. A base de licitação da obra situa-se entre os 250 e os 350 mil euros. Estou a pensar disputar o leilão. Mas a minha última licitação não deverá ultrapassar os 465 mil euros. Há que pôr travão nestas coisas.
Radiohead no i-Pod
No filme "Estranha em Mim", de Neil Jordan, com uma Jodie Foster que pratica a justiça pelas próprias mãos, há uma cena numa carruagem de metro na qual dois jovens negros, manifestamente delinquentes, acossam um jovem que está a ouvir música num i-Pod. Perguntam:
- "Meu, que estás a ouvir?!"
Resposta:
- "Radiohead".
- "Radioquê?"
- "Radiohead"
- "Não interessa, passa para cá o i-Pod!"
Já não sei que filme vi o outro dia cujo adolescente ostentava uma t-shirt dos The Strokes. No "Exterminador Implacável 2", o actor Edward Furlong envergava uma t-shirt dos Public Enemy. Estas opções não são inocentes nem casuais. Muitos outros exemplos existem. Na linguagem da publicidade e do marketing, chama-se a isto "product placement", ou seja, uma estratégia subtil mas intencional de colocar produtos comerciais reais (marcas de todo o tipo) em filmes, videoclips, conferências de imprensa, etc. Quando se vê um personagem de um dado filme beber Sprite ou a comer bolachas Filipinos, a usar uma determinada marca de aparelhagem de som ou de dentrífico, estes produtos não estão lá por acaso. As marcas pagam, e muito, para que os seus produtos surjam nos filmes como forma semi-subliminar de incutir no espectador produtos comerciais. A série James Bond regista um manancial infindável de "product placement" (das bebidas aos relógios, passando pelos inevitáveis automóveis).
Pegando de novo no exemplo do filme "Estranha em Mim", constatamos que é um claro exemplo de nova estratégia de "music placement". O miúdo ouvia no seu i-Pod os Radiohead porque o contrato entre os produtores do filme e a editora do grupo (ou agência promocional) assim o quiseram. Podiram ter sido os Interpol ou os Gogol Bordello. O negócio e o lucro imperam nas escolhas. Simples.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
Contenta-se com o melhor, diz ela
A actirz Eva Longoria diz numa publicidade aos gelados Magnum: "Sou simples, contento-me com o melhor". A frase é retirada de uma máxima de Oscar Wilde, quando referia que tinha gostos simples, visto contentar-se com o melhor. Já houve poetas que lançaram slogans publicitários - "primeiro estranha-se, depois entranha-se" de Fernando Pessoa a propósito da Coca-Cola. Agora são os publicitários que vão buscar inspiração aos poetas de forma descarada. Sinal dos tempos. O iluminista Montesquieu escreveu no século XVIII um sublime ensaio sobre o gosto, tentando explicar o mecanismo estimulador do prazer, fosse na apreciação estética da arte, fosse nas coisas frugais da vida. Para Montesquieu, é esse mecanismo do prazer que desenvolve o gosto e que manifesta a essência da alma humana.
Nota: já agora, quem quer contentar-se com o melhor do gelado, deverá optar antes pela Häagen-Dazs. Digo eu.
Chaplin é maior que qualquer Óscar
Se há algo que os produtores e realizadores da cerimónia dos Óscares fazem bem, esse algo é, indubitalmente, a montagem de imagens que remetem para a memória de Hollywood e do cinema. Comemorando 80 edições, havia toneladas de material imagético para apresentar como referências que marcaram o imaginário colectivo dos espectadores de todo o mundo. Numa dessas sequências, surgiram em catadupa inúmeras imagens de actores, actrizes e realizadores (de todos os tempos) que fizeram a magia do cinema. A última imagem que fecha essa montagem é a de Charlie Chaplin (na imagem), velho e cansado, a aceitar o único (!) Óscar que lhe foi atribuído: um Óscar especial pela carreira, em 1972, cinco anos antes de morrer com 88 anos. Foi feliz a Academia em fechar a tal montagem com Chaplin. A outra leitura possível é a de que foi hipócrita. É que Hollywood foi hostil (por questões políticas e de "valores morais") ao autor de "City Lights" durante décadas, tendo inclusive retirado o seu nome do Passeio da Fama. Tanto assim foi que Chaplin se exilou na Suíça e raramente voltou aos EUA. 30 anos depois da sua morte, a Academia de Hollywood, na sua 80ª edição dos Óscares, emenda a mão e atribui a Chaplin uns escassos segundos de memória e admiração.
O corpo
Óscares: valorização do que é europeu
Foi a noite de consagração dos actores europeus. A 80ª Cerimónia dos Óscares decorreu sob a batuta europeia, com os quatro principais prémios nas categorias de interpretação a serem arrecadados por um actor espanhol (Javier Bardem, na imagem), uma francesa e dois ingleses. É a segunda vez que acontece tal situação na história das estatuetas douradas. Os EUA começam, aos poucos, a valorizar mais o cinema europeu. Para além disso, foi uma cerimónia previsível e meramente mediana, com um Jon Stewart mais comedido do que no ano anterior (recorreu às inevitáveis piadas políticas com Bush e Obama e à greve dos argumentistas). O próprio espectáculo de televisão deixou muito a desejar, com uma produção espartana e um tratamento visual vulgar e sem arrojo, actuações musicais sofríveis e sem originalidade, realização limitada aos estereótipo de reality show (sempre os mesmos planos dos mesmos actores, numa linguagem visual demasiado conservadora). Talvez a greve dos argumentistas tenha ditado esta produção mais fraca. Longe vão os tempos de um mordaz e inteligente apresentador chamado Billy Cristal. Por outro lado, o exagero de intervalos desmotivou o espectador e a voz off do comentador português de serviço, José Vieira Mendes, quase nunca se fazia ouvir no meio do áudio directo do Kodak Theatre. Mas o que interessa mesmo é a festa do cinema, e essa aconteceu com mais uma entrega de Óscares.
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Livros & cinema
Quando entrei hoje na livraria Bertrand reparei de imediato numa estante contendo apenas livros que foram adaptados para cinema. Trata-se de romances ou argumentos que serviram de base para adaptações cinematográficas recentes. Alguns desses filmes estão nomeados aos Óscares desta noite, como "Este País Não é Para Velhos" de Cormac McCarthy ou "O Escafandro e a Borboleta" de Jean-Dominique Bauby. Tinha o livro "O Lado Selvagem", de Jon Kracauer, na mão, quando uma suposta diligente funcionária me disse: "eu já vi o filme, mas dizem que o livro é melhor". Respondi-lhe que não era bem assim, não se podem colocar dois objectos artísticos (livro e filme) na mesma balança de avaliação: são duas formas muito diferentes de fruir uma obra, duas linguagens estéticas distintas, de estimular os sentidos. Logo, torna-se difícil afirmar que o livro é melhor ou pior do que o filme. Seria mais sensato avaliar duas versões cinematográficas com base num mesmo livro (e existem vários exemplos). Por isso, acho que esta é uma discussão estéril e sem sentido.
No site da Bertrand está disponível a lista dos 13 livros que fazem parte desta apetecível colecção.
Os Davids do cinema
Ao falar, em posts abaixo, sobre David Lynch e David Cronenberg, dei por mim a reflectir que todos os cineastas cujo primeiro nome é David, são cineastas de quem eu gosto muito. Pode haver mais, mas estes sete são sete magníficos realizadores chamados David-qualquer-coisa:
David Mamet
David Lean
David Lynch
David Cronenberg
David Fincher (na imagem)
David O. Russel
David W. Grifith
sábado, 23 de fevereiro de 2008
"Black Hole" em cinema!
O site da revista Variety anunciou há dias que o realizador David Fincher, que ainda há pouco tempo assombrou os cinéfilos com "Zodiac", vai dirigir a adaptação para cinema da excelente banda desenhada (melhor: novela gráfica) de terror "Black Hole", de Charles Burns. Burns tem sido um nome de culto desde que em 1995 lançou esta BD a preto e branco, cuja história se passa na Seattle dos anos 70, quando uma misteriosa praga atinge de forma sexual vários adolescentes na região. Enquanto alguns ficam apenas com a personalidade alterada, outros desenvolvem terríveis e imprevisíveis anomalias físicas. O nome de Fincher adapta-se que nem uma luva a este universo negro e malévolo que "Black Hole" transpira, mas pergunto: dada a temática e a estética da BD, o nome mais indicado para realizador não seria antes o de David... Cronenberg?
Cronenberg com estatueta na mão?
No Expresso desta semana, a propósito dos Óscares, o jornalista Jorge Leitão Ramos discorre sobre a razão de um cineasta como David Cronenberg nunca ter ganho uma estatueta dourada. Um realizador com um universo estético e formal tão próprio e complexo como o do autor de "Spider" (contrário ao paradigma habitual defendido pela Academia), não é de espantar que nunca tenha sido galardoado com um Óscar. Quando sabemos que um Hitchcock nunca recebeu nenhum, ou que Martin Scorsese demorou 20 anos até ser agraciado com Óscares, percebemos que o dia em que Cronenberg receber uma estatueta será o dia em que a Academia de Hollywood se transformará numa Academia atenta, justa e liberta de preconceitos.
As chamas eternas existem
O Papa Bento XVI assegurou que "o Inferno existe e que o castigo eterno ocorre num lugar que não está vazio", contradizendo João Paulo II, que em 1999 veio dizer que o Inferno não corresponde à imagem literal que a Bíblia transmite, sendo apenas "uma imagem do afastamento de Deus". A propósito, estamos em que século? XII? Ah, não, XXI. Pois.
Bom, se o Inferno existe mesmo porque o Papa o diz, é melhor começar a queimar os meus livros do Sam Harris e do Richard Dawkins, não vá eu ter um castigo eterno por ler os livros blasfemos e infames. O que o Papa ainda não esclareceu é sobre o conceito de "Céu". Mas qualquer criança saberá que se trata de um local que existe mesmo, azul e cristalino, para onde vão as almas que na Terra foram bondosas e tementes a Deus. E as chamas do Inferno? Correspondem realmente às imagens terroríficas que me ensinaram na catequese? Be afraid, be very afraid!...
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Arte máxima de um minimalista
A história da música da segunda metade do Século XX não seria a mesma sem a figura central do compositor e intérprete norte-americano Philip Glass. Multipremiado a nível mundial pelas suas composições, o percurso deste músico tem sido trilhado com base num prolífico e diversificado trabalho de criação musical, desde a década de 60 até aos nossos dias. Com 70 anos de idade, a veia artística deste músico parece tornar-se cada vez mais ambiciosa e fecunda. Desde 1973 que o seu trabalho se espraia por abordagens tão distintas como a música para teatro, dança, cinema, óperas e orquestras. O talento de Glass advém de uma notável sensibilidade melódica, aliada a um fortíssimo sentido rítmico, a um gosto pelo desafio formal e a uma distinta capacidade para criar ambiências sonoras. A sua abertura estilística e o interesse na fusão entre a música erudita, a electrónica e as tradições musicais do mundo, valeram-lhe inúmeros louvores da crítica e do público (o seu trabalho com o indiano Ravi Shankar e o africano Foday Musa Suso são disso testemunha irrefutável). A sua visão artística partilhou-se também com cantores pop como Suzanne Veja, Paul Simon, Natalie Merchant, a artista e performer de vanguarda Laurie Anderson, o músico electrónico experimental Aphex Twin e o grupo de música contemporânea Kronos Quartet.
Fascinado pela cultura musical dos indianos e africanos, Glass integrou estas linguagens composicionais autóctones na sua música. Daí que, juntamente com Steve Reich, Terry Riley e La Monte Young - outros compositores americanos que marcaram a década de 60 e que partilhavam o fascínio pela música étnica -, Glass fez parte do movimento inicial da corrente minimal repetitiva, a qual despontou no final dos anos 60 como reacção crítica ao serialismo de Boulez e Messiaen. Esta corrente postulava a rejeição do esquematismo matemático da música devedora de Webern e Schoenberg. Glass e restantes compositores, dotados de uma mentalidade mais aberta e desafiadora, libertaram-se dos espartilhos da composição clássica, optando por inaugurar uma nova linguagem musical. Para tal, a música de Glass, Reich e Riley, assentava no primado da repetição de pequenos trechos melódicos ou rítmicos, com pequenas variações através de grandes períodos de tempo, e subtis modulações harmónicas, incutindo no ouvinte uma sensação de hipnose ritualista (a ideia de repetitividade rítmica destes compositores advém das culturas rituais de África e Índia). Contudo, Philip Glass sempre rejeitou a noção de que a sua música fosse minimalista, refutando, inclusive, a palavra minimalismo (“that word should be stamped out!”, disse sobre este assunto). Após divergência de opiniões com Steve Reich, Glass forma em 1968 o Philip Glass Ensemble, constituído por sintetizadores, vozes e instrumentos de sopro, destinado a executar ao vivo as suas peças. Este Ensemble mantém, ainda hoje, uma intensa actividade artística. Mesmo que Glass queira ver-se aliado de rótulos mais ou menos consensuais, a verdade é que a obra magna da história da música minimal é da sua autoria: a ópera-que-revolucionou-a-ópera “Einstein on the Beach” (1975), com direcção artística do famoso Robert Wilson. Obra de uma grande complexidade estética e formal (tem a duração de 5 horas), “Einstein on the Beach” é um assombro de pujança sonora, melódica e rítmica. Neste trabalho, a mestria de Glass no domínio dos mais ínfimos elementos musicais, a forma como manipula o tempo, as harmonias mutantes, o conceito de repetitividade, a riqueza expressiva e conceptual e a originalidade estética, conferem a esta obra um lugar maior nas composições musicais da pós-modernidade artística do século XX. Para além desta ópera marcante na sua carreira, Glass compôs ainda a obra “O Corvo Branco” estreada na Expo 98 de Portugal e escreveu ainda outras 20 nos últimos 25 anos.
Minimalista ou não, Philip Glass depressa enveredou por um caminho próprio. Das dezenas de discos, encomendas e peças originais, destacam-se “Music in Twelve Parts” (1975), “North Star” (1977), “Satyagraha” (1985), “Songs From Liquid Days” (1986), “Glassworks” (1993) e as composições para a genial trilogia “Qatsi” de documentários não narrativos do realizador Godfrey Reggio. De igual modo, a sua produção musical para o cinema (desde composições de bandas sonoras originais para filmes mudos até às grandes produções de Hollywood) tem sido extensa e rica: a magnífica música para o filme “Kundun” de Martin Scorsese, “As Horas” de Stepehn Daldry, “The Truman Show” de Peter Weir, musicou os filmes clássicos de Jean Cocteau (“La Belle et La Bête”, “Les Enfants Terribles” e “Orphée”) e Tod Browning (“Drácula”), e os premiados documentários do norte-americano Errol Morris. Ao longo da sua carreira, Philip Glass sempre se identificou com alguns dos criadores mais originais e irreverentes do panorama artístico do século XX: Jean Genet, Jean Cocteau, Mishima, Jean Epstein, Beckett, Brecht, ou Kafka.
Um artista completo, ainda que não consensual.
(Texto original para a revista "Hora TMG")
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
Cinzas
Não sei se é uma das melhores músicas de David Bowie, mas é seguramente aquela de que mais gosto. Além disso, o videoclip é esplêndido. Outra coisa: não conheço outra música em que a simplicidade do slap da linha de baixo e do fraseado melódico do piano sejam tão, mas tão eficazes no resultado musical final. "Ashes to Ashes":
A cidade dos jovens suicidas
Uma coisa é falar dos suicídios de artistas, gente que já viveu muito, homens e mulheres com longa experiência de vida social e artística (como eu falei aqui). Outra coisa é falar de suicidas que mal saíram da idade da puberdade tardia. É o que tem acontecido no estranho caso em Bridgend, no País de Gales: em apenas um ano, suicidaram-se 17 adolescentes por aquelas terras. A 17ª vítima era uma jovem de somente 16 anos. Na semana passada, dois primos (na imagem), de 15 e 20 anos de idade e ambos de Bridgend, morreram num período de dois dias. Consta que existe um pacto colectivo de suicídio combinado por Internet. Por outro lado, os pais acusam os meios de comunicação de especulação e de manchetes sensacionalistas que só motivam mais os jovens a tomar esta decisão extrema de acabar com a vida. A polícia desmente o pacto afirmando que eram todos jovens com “grandes problemas”. E os outros milhões de jovens que, por todo o mundo, têm “grandes problemas”, porque não se suicidam desta forma colectiva? Seja como for, é um fenómeno bizarro e chocante. 17 mortes por suicídio entre a comunidade jovem, numa cidadezinha de apenas 130 mil habitantes (onde toda a gente se conhece), é algo que foge a qualquer explicação racional e objectiva. E é um fenómeno assustador pela dimensão e pela quantidade de mortes. Um fenómeno de estudo sério, de reflexão cuidada para sociólogos e psicólogos. Um fenómeno que encosta à parede pais e educadores, dada a violência e aparente irracionalidade dos factos.
PS – Lembremo-nos que em muitos países o suicídio é a segunda ou terceira causa de morte entre crianças e adolescentes, logo após os acidentes ou doenças graves.
PS – Lembremo-nos que em muitos países o suicídio é a segunda ou terceira causa de morte entre crianças e adolescentes, logo após os acidentes ou doenças graves.
Começar assim, acabar assado
Jackie Coogan, a criança que aos 5 anos emocionou o mundo e revelou ser um verdadeiro prodígio de interpretação ao lado do mestre Charlie Chaplin no filme "The Kid" (1921), com o seu olhar ternurento e amoroso, acabou a carreira a interpretar o sinistro Uncle Fester para a série televisiva "Família Addams" (imagem à direita), na década de 60.
Bom, mais estranho era se tivesse sido ao contrário.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
A alma atrofiada
"O que incita as pessoas a erguerem o punho, a pegarem numa espingarda, a defenderem juntas causas justas ou injustas, não é a razão, mas a alma hipertrofiada. É este o carburante sem o qual o motor da História não poderia funcionar e à falta do qual a Europa teria ficado deitada na relva, a olhar preguiçosamente as nuvens que pairam no céu."
Milan Kundera, in "A Imortalidade"
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Cidadão jornalista
Vivemos uma revolução na forma como entendemos o jornalismo convencional. O cidadão comum, outrora espectador passivo dos acontecimentos, tornou-se um elemento activo na criação, produção e manipulação da notícia. É tanto assim que já existe uma nova categoria para esse estatuto de "jornalista cidadão." O advento das tecnologias digitais de fotografia e vídeo, catapultadas pelas acessíveis páginas pessoais na Internet, ditou uma viragem na imprensa e nos media em geral. Lembremo-nos que foram imagens, ditas amadoras, que trouxeram a força do tsunami na Ásia ao mundo inteiro, assim como com os atentados terroristas de Londres ou com o assassínio de Benazir Bhutto. Por estes dias de cheias em Portugal, assistimos a fotografias e vídeos feitos por cidadãos comuns que são transmitidos pelos canais de televisão. No local onde o facto noticioso acontece e o jornalista profissional não pode estar, é quase certo que algum cidadão irá ocupar o seu lugar para registar, em suporte auidiovisual, o acontecimento. A internet serve, por outro lado, como ferramenta fundamental para qualquer pessoa poder veicular conteúdos informativos (quase) em tempo real. Nesta dualidade de conceitos, nesta sociedade global e digital, como encarar a verdadeira missão dos media?
Oh captain, my captain!
Esta é bem capaz de ser uma das músicas portuguesas mais inspiradas dos últimos 10 anos. "Capitão Romance" dos Ornatos Violeta, com a preciosa colaboração vocal de Gordon Gano (Violent Femmes). Gano aprendeu português só para poder cantar esta música e quase não se percebe o sotaque - ainda que o ligeiro sotaque só ajude a criar élan à música. Da letra à cadência dos contratempos, da melodia insinuante ao refrão vicioso, eis um caso exemplar de música nacional de excelência.
Alain Robbe-Grillet
Alain Robbe-Grillet morreu ontem aos 85 anos de idade. Foi o mentor do chamado "novo romance" francês (juntamente com Marguerite Duras e Nathalie Sarraute), caracterizado por uma inovadora linguagem narrativa não-linear, repleta de descrições de ambientes, de perfis psicológicos dos personagens. À semelhança da Nova Vaga do cinema francês da décda de 60, Robe-Grillet explorou novos territórios de experimentação da linguagem e da estrutura da narrativa. E esta faceta de experimentalista ficou para sempre marcada num filme charneira da "nova vaga": "O Último Ano em Marienbad" (1961), do realizador Alain Resnais. Neste sublime filme, a ausência de história convencional era colmatada com uma linguagem visual depuradíssima, com uma composição plástica da imagem de teor barroco e com o recurso a elipses, flashbacks e figuras de estilo. O conceito de memória e seus labirintos são, igualmente, objecto de descodificação nesta obra magna do autor de "Hiroshima Meu Amor".
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
The Soft Machine - maquinaria ao rubro
Conheço a banda há longos anos. Praticamente de nome. The Soft Machine. É o nome de uma banda que no final dos anos 60 marcou o definhar do psicadelismo, liderada pelo carismático vocalista e baterista Robert Wyatt (ficou paraplégico devido a um acidente, facto que não o impediu de prosseguir uma brilhante carreira musical a solo até hoje). O nome da banda foi retirado de um livro com o título homónimo do grande William S. Burroughs. Impulsionado por uma crítica no último Ípsilon (afinal a crítica musical ainda faz sentido) que referia a reedição de "duas obras-primas" do grupo rock The Soft Machine, resolvi adquirir o primeiro disco deles (a capa aqui reproduzida). Ouvi uma vez, duas vezes e pensei: este é um disco com 40 anos e mantém uma espantosa actualidade estética. Como andei arredado tanto tempo deste cometa que surgiu tão depressa quanto se extinguiu? Mas nunca é tarde demais para ficar a conhecer objectos musicais que valem a pena. A partir de um tema do primeiro álbum, os The Soft Machine partem para uma incrível improvisação cujo resultado é um devaneio musical que tem tanto de rock como de jazz. Robert Wyatt, jovem e ainda sem barbas, assume a liderança, com a sua inigualável voz e o seu frémito rítmico na bateria:
O que é um filme chato?
É mais uma daquelas votações bizarras que não se sabe para que servem, mas que acabam por ser um indicador de qualquer coisa (nem que seja da parvoíce). O inquérito da "Silentnight" recolheu as opiniões de dois mil homens e mulheres britânicos e refere que "Lost In Translation", tido como filme de culto por cinéfilos de todo o mundo, foi votado o filme «mais chato». O filme, realizado po Sofia Coppola e protagonizado por Bill Murray e Scarlett Johansson, foi votado o filme mais susceptível de fazer adormecer os espectadores. Repare-se no espanto do filme que se encontra no 2º lugar da lista: "Star Wars: "The Phantom Menace", um filme pleno de acção e aventura. Se este é um filme que adormece espectadores, então não sei o que dizer de certos filmes e realizadores. Não sei como não foi seleccionado o filme "Bourne: Ultimatum". Como não se passa nada, é um perfeito filme para abrir a boca em bocejos cosntantes e adormecer instantaneamente.
O top 10 reúne vários títulos famosos, alguns dos quais premiados com Oscares.
1. Lost In Translation (23%)
1. Lost In Translation (23%)
2. Star Wars: The Phantom Menace (18%)
3. Eternal Sunshine Of The Spotless Mind (14%)
4. Vanilla Sky (13%)
5. A Beautiful Mind (10%)
7. Remains of The Day (8%)
8. The Black Dahlia (7%)
9. The Da Vinci Code (4%)
10. The English Patient (3%)
Era para massacrar?
No dia de São Valentim, um desconhecido Stephen Kazmierczak irrompe pela Universidade do Illinois e chacina a tiro 5 estudantes, ferindo outros 16. Nada de novo, portanto. Há um ano, Virgina Tech tinha assistido a um cenário de horror ainda mais dantesco. No outro lado da barricada, o humor tem sempre uma interpretação diferente do fenómeno:
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Clássicos contados às crianças
O semanário SOL está a editar, com o apoio do Millennium BCP, uma excelente colecção de clássicos da literatura portuguesa contados às crianças. A editora associada a esta louvável iniciativa é a Edições Quasi. A coleccção é composta de 12 livros de capa dura com títulos clássicos de escritores como Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Júlio Dinis, Almeida Garrett ou Camilo Castelo Branco. Os livros são adaptados por escritores contemporâneos (Possidónio Cachapa, Rosa Lobato de Faria, José Luís Peixoto) numa linguagem acessível e directa para as crianças (sem ser infantilizada). Complementarmente, as ilustrações são de grande qualidade, potenciando a imaginação. O primeiro livro lançado, “Os Maias”, com uma excepcional adaptação de José Luís Peixoto, é a prova de que se trata de uma colecção a adquirir por pais, educadores e professores. Uma óptima oportunidade para iniciar as crianças no universo da literatura clássica portuguesa.
sábado, 16 de fevereiro de 2008
Fnac - 10 anos de sucesso
A Fnac comemora 10 anos de lojas abertas em Portugal. 10 anos que revolucionaram os hábitos culturais dos portugueses tradicionalmente pouco dados ao consumo cultural. Apesar disso, e paradoxalmente com os índices de consumo cultural deste país, a Fnac em Portugal regista records europeus de vendas e de receitas. O conceito de loja Fnac, em que o cliente pode usufruir de alguns produtos sem o comprar (como o livro) e circular as horas que quiser pelo espaço, assentou arraiais em Portugal. Por outro lado, todos os anos são inauguradas novas lojas, fomentando a descentralização geográfica deste espaço (ainda não chegou ao interior do país, consta-se que Viseu poderá ter uma loja Fnac em breve). Nem tudo é positivo no universo Fnac, como a política de preços nalguns produtos, mas a verdade é que continua a ser um espaço incontornável e viciante de fruição e de conhecimento. A concentração de bens culturais tão diferentes como o livro, o DVD, o CD, os gadgets digitais, a informática, a electrónica, torna a Fnac uma irresistível tentação para o consumidor. Paralelamente, a programação cultural desenvolvida (concertos, exposições, conversas com autores), investindo claramente no apoio aos artistas nacionais, incrementa a importância desta empresa francesa de cultura. O profissionalismo dos diversos serviços, a estrutura organizacional de toda a loja e a boa formação dos funcionários, contribuem para que a Fnac seja, cada vez mais, uma empresa em defesa da cultura, do conhecimento e do desenvolvimento geral deste Portugal. Que seja por mais 10 anos, e mais 10...
A insustentável dureza da rádio
É insuportável. Abominável. Refiro-me à RFM, a estaçãozinha de rádio nacional especializada em divulgar os êxitos comerciais da actualidade, perdão, dos anos 80. A tal rádio cujo lema é "Só Grandes Músicas". Entre-se em qualquer loja comercial, consultório ou café e as estatísticas provam que, se houver uma rádio sintonizada – na senda de querer dar musica ambiente ao cliente – há fortíssimas probabilidades de estar sintonizada na bolorenta RFM ou na esclerosada Rádio Comercial. Não falha. Como, ainda por cima, a cultura dos eighties está na moda, estas duas estações são as “special ones” na vanguardista tarefa de divulgar os hits de antanho do Elton John, do Lloyd Cole, do Phil Collins, do Rod Stewart ou dos Waterboys. A música dos 90 ou da actualidade, não existe. Há quem goste de ouvir milhares de vezes as mesmas canções pop-corn de outrora (como em tudo na vida), mas no meu caso, quando entrei na loja comercial e ouvi o locutor, expedito e expansivo, anunciando a próxima “grande musica”, quase me deu vontade de dar meia volta e ir apanhar o ar frio da rua. Preferia a música do tráfego ruidoso. Ah, a grande música a que se referia o animador era a “Dancer in The Dark” do boss Springsteen. Quer dizer, se eu ganhasse 5 Euros por cada vez que a RFM já passou esta musica (desde que foi editada até à data), acho que conseguia comprar o passe do Cristiano Ronaldo e ainda me sobrava dinheiro para fazer uma OPA ao BPI (ou à Sonae, ou...).
Chaplin a começar em grande
Sobre a colecção “Cahiers du Cinema” (DVD e livro) que o jornal Público começou a publicar ontem, há a dizer o seguinte: estamos perante uma colecção de grande qualidade, quer pela edição do DVD do Charlie Chaplin (“O Imigrante” e 4 curtas-metragens), quer pelo livro que o acompanha. Nada menos do que um livro de quase 100 páginas, com muita informação – biografia, filmografia – e muitas fotografias do homem e do realizador. Outra coisa não seria de esperar, dada a qualidade a que nos habituou a histórica revista de cinema francesa. Até dia 1 de Agosto (!), a colecção prolongar-se-á durante 24 semanas, sempre com um realizador e um filme diferente em cada edição. Claro que faltam muitos realizadores importantes (nenhum John Ford? Nenhum Murnau? Nenhum Dreyer?), mas quem pode queixar-se quando as próximas edições vão focar-se em autores como Rossellini, Fellini, Renoir, Antonioni, Scorsese, Tarkovsky, Wilder ou Mizoguchi? Já tenho em DVD quase metade dos filmes que irão sair com o Público, mas não será por isso que vou deixar de acompanhar e completar a colecçao, uma vez que os livros são uma mais valia. Além do mais, quando se começa uma colecção, ou se vai até ao fim ou então não vale a pena. Digo eu.
Berardo? O que é isso?
O programa é o inefável “Quem Quer Ser Milionário”.
Pergunta: “que tipo de acervo possui o Museu Berardo?”
4 possibilidades de resposta:
a) Arte Déco
b) Arte tradicional
c) Arte bizantina
d) Arte contemporânea
O concorrente não sabe. Pede a “ajuda do público”. O público responde, com 54%, opção d.
E o público lá safou a honra do convento.
Pergunta: “que tipo de acervo possui o Museu Berardo?”
4 possibilidades de resposta:
a) Arte Déco
b) Arte tradicional
c) Arte bizantina
d) Arte contemporânea
O concorrente não sabe. Pede a “ajuda do público”. O público responde, com 54%, opção d.
E o público lá safou a honra do convento.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
A mina dos filmes online
Na Internet descobrem-se verdadeiras minas. De ouro. O site Filmschatten tem, nada mais, nada menos, do que uma impressionante lista de filmes. Isto não é como o youtube, onde apenas podemos ver pedacinhos insignificantes de vídeo (o máximo até 10 minutos de cada vez). Este site tem centenas (ou milhares) de filmes completos. Repito: filmes completos. Dos mais variados géneros cinematográficos, dos mais diversos realizadores, europeus, asiáticos, mundiais, conhecidos e menos conhecidos, consagrados e por revelar, clássicos e contemporâneos, ficção e documentário, mais comerciais ou mais independentes. Repare-se na imensa coluna da esquerda: centenas de autores importantes (nem todos vindos do cinema, alguns das artes plásticas ou da performance) com títulos disponíveis na íntegra. O site é actualizado regularmente, quase todos os dias há títulos novos disponíveis. Não é possível fazer download, os filmes não têm legendagem, mas é uma mina para qualquer cinéfilo poder ver na íntegra online um filme raro de Buster Keaton, de Vertov, de Kurosawa ou de Daren Aronofsky. Agora seria preciso tempo, muito tempo para desfrutar cuidadosamente de cada filme e partir à descoberta de muitas e boas surpresas cinematográficas. Direitinho para os favoritos, se faz favor.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
O cine-olho em movimento
Este é um daqueles filmes absolutamente obrigatórios em qualquer curso de cinema de qualquer escola mundial que se preze. É uma obra-prima de construção narrativa sem recurso a diálogos ou legendas, e é um dos melhores documentários mudos e um dos melhores de toda a história do cinema. E é de puro cinema que falamos quando falamos de "The Man With The Movie Camera" (O Homem da Câmara de Filmar", 1929) do russo Dziga Vertov. A par de Eisenstein, Vertov foi um dos mais notáveis teóricos da montagem e este filme em particular revela todo o seu talento e criatividade. Com os realizadores russos, a montagem passou a desempenhar um papel preponderantemente estético e dramático, impondo outra dimensão formal ao cinema. "O Homem da Câmara de Filmar" passa-se em Moscovo durante 24 horas, desde o acordar da cidade até ao anoitecer. Em termos estéticos e formais, a obra de Vertov é um monumento raramente igualado. O realizador foi um verdadeiro pioneiro na utilização de todas as técnicas cinematográficas e efeitos visuais disponíveis que mais tarde se vulgarizaram - dissolves, split screen, slow motion e freeze frames. É o cinema em movimento, em acção e em mutação constante, num turbilhão de ideias, símbolos e imagens, que iria influenciar gerações de cineastas. Vertov dizia que era um "cine-olho", um construtor da imagem e da realidade. O que vemos de seguida são os últimos 4 minutos de filme, em que se pode observar a qualidade plástica dos planos, o ritmo frenético da montagem (os últimos 30 segundos são brutais), a realização esplêndida de um artista que competia com Sergei Eisenstein ou F. W. Murnau na obtenção do estatuto de maior cineasta vanguardista do período mudo. A espantosa música original que acompanha esta intensa sequência (como do resto do filme) é de um trio de músicos americanos especializados em bandas sonoras para filmes mudos (actuou uma única vez em Portugal no Teatro Municipal da Guarda): Alloy Orchestra. A Costa do Castelo tem a edição deste filme com esta banda sonora.
O cinema ensina muitas coisas
O drama da Humanidade
D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa, disse ao Público: “O ateísmo e a indiferença em relação a Deus constituem o maior drama da Humanidade.”
Eu contraponho, dizendo: “A ignorância e o dogmatismo em relação à religião constituem o grande drama da Humanidade.”
Os Deuses amam quem se suicida?
Ernest Hemingway (na imagem), Kurt Cobain, Camilo Castelo Branco, Ian Curtis, Jacqueline Kennedy Onassis, Roland Barthes, Jean Michel Basquiat, Walter Benjamin, Mishima, Guy Debord, Cleópatra, Florbela Espanca, Gogol, Adolf Hitler, Virgínia Woolf, Primo Levi, Stefan Sweig, Anna Karenina, Sylvia Plath, Guy de Maupassant, Vincent van Gogh . O que têm estas pessoas em comum, além do facto de serem famosas? O suicídio.
Como dizia Albert Camus, o suicídio deveria ser a questão crucial da filosofia. Ou seja, tentar saber se a vida merece ou não ser vivida. A morte em geral e o suicídio em particular, continuam a ser assuntos tabu na cultura ocidental. No Japão, a morte voluntária é encarada com certa bonomia e tolerância cultural, sendo e o harakiri (suicídio através da espada - foi como morreu o escritor Mishima) era uma prática comum nos samurais (para não falar no terrível fenómeno kamikaze da 2º Guerra Mundial). No Japão há inúmeros casos de suicídios colectivos de jovens e até crianças, muitas das vezes combinados pela internet.
Durkheim foi um dos primeiro sociólogos a estudar seriamente o fenómeno do suicídio. E durante a segunda metade do século XX, houve muitos estudos que apontavam para a relação entre a actividade artística e o suicídio, entre as doenças mentais (depressão, esquizofrenia) e a criatividade. O facto é que ao longo da história da humanidade houve centenas de artistas, cientistas, poetas, escritores, músicos, políticos, cultos e inteligentes que, voluntariamente, puseram fim às suas vidas. Entramos nos desígnios insondáveis da mente humana. Portugal tem um longo e relativamente vasto historial de suicidas: Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Mário de Sá Carneiro, Florbela Espanca.
Arthur Schopenhauer defendia que cada um é livre de pôr termo à sua vida. É a consequência de o homem se tratar de um ser livre. O “Dicionário de Suicidas Ilustres” (edição brasileira) de J. Toledo compila os casos de suicídio de mais de 700 pessoas famosas oriundas das mais diversas profissões (mas com especial enfoque nas profissões artísticas). No livro, comtam-se por exemplo, o suicídio de seis prémios Nobel, inúmeros prémios Pulitzer e mais uma grande quantidade de informações sobre os personagens ficcionais suicidas que se tornaram célebres, tanto na literatura quanto no cinema, como Anna Karenina, heroína do livro homónimo, escrito por Tolstoi. A morte será sempre um tema eterno nas discussões populares ou intelectuais, e o suicídio continuará a possuir aquela aura de mistério, de cobardia ou de coragem (conforme a opinião de cada um), de forma de fugir ao sofrimento ou como carro de combate para o debelar. E continará a exercer um profundo fascínio o exercício de tentar compreender (psicologica e culturalmente) porque é que se matam escritores e poetas, músicos e filósofos, artistas e pensadores, homens e mulheres de espantosa inteligência e formação. Se calhar, é porque, como diz Camilo Castelo Branco, "o suicídio não é uma coragem vulgar. Suicidam-se os que se desprezam a si e ao mundo."
Em marcha imparável
De novo, notícias do estrangeiro que provam que ninguém pára o melhor realizador português da actualidade, Pedro Costa. A juventude segue imparável a sua marcha.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
Música que apodrece
Nos anos 80 coleccionei música como um louco fundamentalista. Trocava cassetes áudio com melómanos de todo o país (e do estrangeiro) e esperava ansiosamente que as novidades chegassem ao marco do correio. Era um ritual poder abrir o envelope almofadado, colocar a cassete no leitor e desfrutar daqueles intensos momentos de descoberta de um artista ou grupo. Como não havia dinheiro para comprar todos os discos em vinil que gostava, eram as centenas de cassetes que me saciavam a gula musical. Agora, as perto de mil cassetes estão num canto da garagem, à espera que um dia (que dia?) alguém vá lá buscar uma, retire a poeira e espere que a fita ainda aguente o peso dos anos. E que música tenho eu gravada em cassetes que provavelmente nunca mais voltarei a ouvir (por deterioração natural da fita magnética ou porque não tenho nem em vinil ou CD)?
Apenas alguns exemplos:
Half Man Half Biscuit, Test Department, Red Lorry Yellow Lorry, Captain Beefheart, Devo, Philip Boa and the Voodoo Club, Death in June, The Triffids, Robert Ashley, George Crumb, Christian Death, Dissidenten, Front 242, Camper Van Beethoven, Beatnigs, Anne Clark, Dif Juz, 23 Skidoo, The Wolfgang Press, Asmus Tietchens, in The Nursery, SPK, And Also The Trees, The Band of Holy Joy, John Adams, Elliott Sharp, Butthole Surfers, Mick Karn, Minimal Compact, Hugo LArgo, Graeme Revell, Rapeman, Coil, Steven Brown, Felt, The Residents, Can, Holger Czukay, The Feelies, Art Zoyd, Miso Ensemble, Meredith Monk, Nurse With Wound, Laibach, Christian Marclay, Harold Budd, Robert Fripp, Lights in a Fat City, Jon Hassel, Somei Satoh, Cathy Berberian, La Monte Young, Henry Cow, Negativland, Clock DVA, Biota, Moroccan Trance Music, Demetrio Stratos, Sixth Comm, Z'Ev, Skinny Puppy, Milton Babbit, Clair Obscur, Swans, Virgin Prunes, Hector Zazou, Bill Frisell, Chalres Mingus, Holger Hiller, The Gun Club, Sol Invictus, Barry Adamson, Cranioclast, Lydia Lunch, O Yuki Conjugate, No Means No, Lou Harrison, Psychic TV, Muslimgauze, Foetus, Delerium, Non, Anarband, Andrew Poppy, David Fulton, Zoviet France, Wire, Elvis Costello, Tom Cora, Faust, Von MAgnet, God, Ravi Shankar, Osso Exótico, Harry Partch, Pauline Oliveros, The Fall, Painkiller, Nicolas Collins, Peter Frohmader, David Sylvian, Kronos Quartet, Zap Mama, Jarboe, Sainkho, Jorge Reyes, Loop Guru, Carlos Zíngaro, Jane's Addiction, Ocaso Épico, Boyd Rice, FM Einheit, Alvin Lucier, Dinossaur Jr., Lush, Pengui Cafe Orchestra, Fred Frith, Pascal Comelade, Organum, Loop, The Hafler Trio, Cecil Taylor, Ala Stivell, Delerium, Tony Oxley, Pigface, Godflesh, Big Black, La Fura Dels Baus, Brian Eno, HIST, Arcace Device, Smegma, Fugazi, John Cage, Rollins Band, Yo La Tengo, John Cale, Masada, Scorn, Luciano Berio, Robert Rich, Pierre Boulez, Dead Kennedys, Telectu, Lard, Caspar Brotzman, XTC, etc, etc.
Alguém se oferece para digitalizar estas cassetezinhas?
O saber universal em pequenos contos - 2
"Outra Palavra de Deus" (história judia)
Um homem perguntava incansavelmente a Deus:
- Tu, que és o próprio poder, rogo-Te, dá-me cem mil dólares! Para Ti, não é nada. Podes fazer tudo o que Quiseres. O espaço não existe e cem anos é como um minuto. Mil anos é como um minuto! Cem mil dólares, para Ti, é como um tostão. Suplico-te, dá-me um tostão!
Deus respondeu:
- Espera um minuto.
In: "Tertúlia de Mentirosos - Contos Filosóficos do Mundo Inteiro" (Teorema) - Jean-Claude Carrière.
ARCO - a arte vanguardista em Madrid
A 27.ª edição da ARCO - Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madrid, abre hoje com a presença de 295 galerias de 34 países (Portugal incluído). A única vez que estive numa feira da ARCO foi há quase 10 anos. Impressiou-me a grandiosidade da Feira, a diversidade de galeristas e de propostas artísticas representadas. Eram milhares de pessoas de todas as nacionalidades que circulavam pelo imenso espaço físico da Feira. Uns curiosos, outros peritos em arte contemporânea, outros meros turistas. Mas notava-se também que a ARCO, por ser um evento mundialmente famoso, resulta numa feira de negócios e de vãs vaidades, quer por parte de artistas que se julgam o supra-sumo da arte, quer por parte de certos visitantes que se vestem e comportam como se estivessem num desfile de John Galliano. O orçamento é brutal, perto de 10 milhões de euros. Compreende-se. A Feira é uma montra global, e alcançou um estatuto ao longo dos anos que lhe permite defender a ideia de que se trata da exposição mundial de arte mais contemporânea e vanguardista. Não tenho a certeza que assim seja. Por lá podemos observar todas as correntes actuais de expressão artística contemporânea - das mais abstractas, híbridas e conceptuais, às mais acessíveis e convencionais. Ainda assim, visitar a ARCO e fruir todas aquelas propostas artísticas vanguardistas e polémicas (não há ano em que não haja uma provocação artística com projecção mediática) não deixa de ser uma experiência enriquecedora.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Enquanto o Diabo come um ovo
A arte de comer um ovo cozido. Quem ensina é o medonho Louis Cyphre (Robert De Niro) no inquietante thriller "Angel Heart" ("Nas Portas do Inferno", 1987) de Alan Parker. Toda a sequência mete medo: Harry Angel (uma óptima interpretação de Mickey Rourke) é um detective que questiona Louis; enquanto responde, este vai descascando um ovo cozido como se não houvesse amanhã. Os gestos lânguidos, o olhar incisivo, o cabelo penteado para trás, as unhas pontiagudas, a barba... É claramente a personificação de uma entidade demoníaca (quem conhece o filme sabe porquê). Quando come finalmente o ovo, Louis Cyphre parece dizer a Rourke: "a tua alma é minha!" E era mesmo.
Igreja da Modificação Corporal - Aleluia!
A cultura da tatuagem e do piercing é uma cultura milenar tribal que só no século XX se expandiu na sociedade ocidental. São formas de expressão do corpo, de identidade, de afirmação pessoal. Mas hoje há pessoas que não se conformam apenas com simples tatuagens. Por isso enveredam pela nova tendência da cultura urbana (os chamados "modernos primitivos"): a modificação do corpo (com ramificaçãos à body-art). E modificação implica alterações físicas, efémeras ou permanentes, do corpo humano: implantes ou amputações, alterações radicais da fisionomia (dentes, língua, rosto), suspensão do corpo com ganchos. É a radicalização extrema do corpo, é puxar até aos limites o conceito de humano. Há já uma Igreja (!) nos EUA dedicada a este culto - Igreja da Modificação Corporal. Basta ver este impressionante ranking dos dez indivíduos com o corpo mais modificado.
Importa perguntar que natureza humana é esta.
Importa perguntar que natureza humana é esta.
O saber universal em pequenos contos
Há um livro ao qual recorro com frequência: "Tertúlia de Mentirosos - Contos Filosóficos do Mundo Inteiro" (Teorema) do francês Jean-Claude Carrière. Este escritor e argumentista de cinema foi famoso por ter adaptado obras literárias para cinema e por ter escrito alguns dos melhores guiões do realizador espanhol Luís Buñuel. Neste livro, Carrière reúne centenas de pequenas histórias e contos do mundo inteiro e de todas as culturas e religiões - judaica, cristã, islâmica, indiana, sufi, aborígene, budista, etc. Alguns contos têm milhares de anos, outros são contemporâneos. Ler "Tertúlia de Mentirosos" é um exercício fascinante. O conhecimento, o saber, os ditos de espírito compilados neste livro são verdadeiros manuais de vida e dariam para muitas teses de filosofia. Deixo apenas aqui um exemplo num conto intitulado "A solução" (oriundo da tradição judaica mas com um toque zen):
Um estudante dirige-se a um velho rabino e diz-lhe:
- Reflecti muito e tomei uma decisão. Decidi morrer.
- Não é uma solução - diz o rabino.
O jovem vai-se embora e volta uma semana depois, dizendo:
- Tinhas razão, mestre. Reflecti muito e decidi viver.
- Não é uma solução - diz o rabino.
- Mas disseste-me que morrer não era solução! Agora dizes-me que viver não é solução. Então qual é a solução?
- Porque pensas tu que há uma solução? - disse-lhe o rabino.
Um estudante dirige-se a um velho rabino e diz-lhe:
- Reflecti muito e tomei uma decisão. Decidi morrer.
- Não é uma solução - diz o rabino.
O jovem vai-se embora e volta uma semana depois, dizendo:
- Tinhas razão, mestre. Reflecti muito e decidi viver.
- Não é uma solução - diz o rabino.
- Mas disseste-me que morrer não era solução! Agora dizes-me que viver não é solução. Então qual é a solução?
- Porque pensas tu que há uma solução? - disse-lhe o rabino.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Roy Scheider
Soube agora: o actor Roy Scheider morreu ontem aos 75 anos de idade. Não era um actor de proa do star system de Hollywood (apesar de ser da mesma geração de um Gene Hackman, não tinha o mesmo estatuto e talento que este), mas bastaram-lhe dois ou três papéis fulcrais para não mais ser esquecido: os filmes "The French Connection" (1971) de William Friedkin, "All That Jazz" (1979) de Bob Fosse e o incontornável "Tubarão" (1975) de Spielberg.
Quino - inteligência e criatividade
Quino (à esquerda) é um génio. Ponto. A sua arte não se resume a mero entretenimento infanto-juvenil. A sua arte, vinda de uma expressão outrora tida como menor, serve como cavalo de batalha para denunciar os males da sociedade. A banda desenhada que criou ao longo das últimas três décadas resultam de uma reflexão apuradíssima da vida, das relações humanas e dos seus efeitos na evolução do mundo. Há muita filosofia no desenho - e respectiva mensagem - de Quino. Há muita angústia existencial para se restringir às crianças. Só os adultos descodificam muitas das mensagens que Quino apresenta unicamente sob a capa do desenho despojado - sem diálogos ou legendas. Uma tira deste autor argentino, com um traço certeiro e muita astúcia, pode proporcionar mais reflexão e debate do que muitas máximas de pensadores célebres. A sua inteligência e poder de observação da realidade são reveladores de uma personalidade pragmática. Em termos formais, Quino investe numa certa radicalização das fórmulas convencionais dos "quadradinhos", cujas personagens são surpreendidas, muitas das vezes, por fenómenos surreais e absurdos. A personagem mais conhecida criada por este argentino nascido em 1932, é Mafalda (à direita), verdadeira personificação da rebeldia e insatisfação da geração de 60. Mafalda representa a bandeira da defesa dos direitos humanos e da democracia. Sem Quino, não teria havido Bill Watterson e "Calvin e Hobbes". De resto, Mafalda e toda a restante obra de Quino estão imbuídas de profunda consciência política e social. Todas as personagens que se relacionam com Mafalda representam uma classe social específica, com características culturais e sociais que as diferenciam umas às outras. Daí nasce o conflito, as desigualdades, o azedume. A crítica feroz que Quino incute na banda desenhada que criou induz o leitor a questionar o mundo que o rodeia, como só um bom artista consegue fazer.
Shirley Bassey - a diva reabilitada
Faz agora dez anos que este disco foi lançado: “Decksandrumsandrockandroll”, dos Propperlerheads (nome de um conhecido software musical). Faziam uma estimulante fusão de big beat (na altura era o estilo musical mais em voga) com electrónica, tecno, soul e funk. Este duo é responsável pela reabilitação da grande voz do jazz feminino Shirley Bassey, com o magnífico e viciante tema “History Repeating”. Vale muito a pena relembrar:
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