quarta-feira, 4 de março de 2009

Godard e Lars von Trier



No início da década de 60, aquando da revolução da "Nouvelle Vague" francesa, Jean-Luc Godard exclamava de forma peremptória: "O argumento morreu!". Deste modo, o realizador proclamava a necessidade de filmar filmes livremente, sem as amarras de um guião, sem estarem limitados pela ditadura dos argumentistas. Filmar ao sabor da improvisação, subvertendo as regras instituídas, procurando novas experiências narrativas e soluções de montagem, foram algumas das inovações do cineasta francês, autor de "O Acossado". A ideia original de Godard agradou aos intelectuais e à geração dos "Cahiers du Cinéma", mas alguns anos e largas dezenas de filmes depois, acabou por admitir-se que isso de filmar sem guião era, no mínimo arriscado. E que tais experiências só saíam bem a um cineasta tão genial e inclassificável como Godard.
Mais tarde, mais propriamente em 1995 (coincidindo com o centenário do nascimento do cinema), surgia na Dinamarca um movimento cinematográfico internacional lançado a partir de um manifesto assinado por realizadores como Lars von Trier e Thomas Vinterberg. Este movimento, chamado "Dogma 95", criou as suas dez regras inspirando-se vagamente nos postulados estéticos da "Nouvelle Vague" (começando na ideia de fazer cinema com baixo orçamento). Estes cineastas defendiam a rodagem com câmara na mão, a recusa de iluminação artificial, a utilização de música e de guião pré-estabelecido. Uma renovada roupagem da linguagem do cinema através da assimilação de regras pouco convencionais, mas que rapidamente se esgotaram. A ânsia de inovação formal e de ambição artística de von Trier acarretaram resultados redundantes. De resto, se da irreverência artística da "Nouvelle Vague" sobrou Godard e Rivette (de outra forma), do "Dogma 95" não sobrou ninguém e o pobre Lars von Trier - que até fez óptimos filmes mas fora do contexto do movimento que criou - encontra-se agora no limbo da efémera memória cinéfila.

4 comentários:

P disse...

Não sei quase nada, respondendo ao 'Sabe demasiado?'
Não sei também se concorde com o final do seu texto. Reconheço que há um esgotamento mas não vejo nisso uma fraqueza. O tempo dirá, talvez. Revejo com muito prazer, filmes saídos do Dogma 95 e acho que muito do que propuseram, programaticamente, marca muito do que de alternativo se faz.
Um abraço e gostei imenso deste blog e da qualidade das reflexões que aqui são tecidas.

Luís Mendonça disse...

Trier está tão esquecido que nem "Manderlay", nem "The Boss of It All" tiverem estreia em sala cá em Portugal, aliás, o último nem sequer em DVD! Já para não falar do deliciosamente perverso "The Five Obstructions".

Espero que destino diferente tenha o próximo filme de Trier, supostamente, uma película de terror protagonizada por Willem Dafoe: "Antichrist".

Não acho que o Dogma se tenha esgotado por completo, quando leio Jonathan Demme claramente a citá-lo no magnífico "Rachel Getting Married" ou o experimentalista Steven Soderbergh a usar muitos dos seus elementos no subvalorizado "Full Frontal" e neste seu projecto em vídeo, com lançamento simultâneo em sala e em DVD, que iniciou com "Bubble".

Enfim, um dia vamos todos redescobrir com o mesmo entusiasmo com que descobrimos os filmes Dogma de Trier e Vintenberg. Esse é o meu palpite, enquanto tudo isto está tão "fora de moda".

João disse...

Os Idiotas *****

De resto não houve um filme que tenha visto de Lars Von Trier que não me tivesse impressionado e marcado.

Álvaro Martins disse...

Os Idiotas, Breaking the Waves, Europa, Epidemic, Dancer in the Dark, Dogville e The Element of Crime. O resto ainda não vi, mas estes confirmam o estatuto de bom realizador.