sábado, 25 de outubro de 2008

No meu tempo não havia desta Religião e Moral

Há uns tempos escrevi que o cinema tem grande potencial educativo. Mas tem, da mesma forma, potencial deseducativo. Basta que os professores não saibam utilizar o cinema da melhor forma em determinado contexto. Daí que não seja de admirar que tenha rebentado o escândalo numa escola da Figueira da Foz por causa disto.
Compreende-se. Segundo o Conselho Executivo, "o professor pretendia motivar os alunos para alguns temas que fazem parte dos conteúdos da disciplina de Religião e Moral". Gostava de conhecer esses conteúdos. É que não estou a ver a relação dos conteúdos de uma disciplina como Religião e Moral com o filme brutal "Kids" de Larry Clark. Ou por outra, ver até vejo, mas não acredito que fosse o filme certo para exemplificar esses mesmos conteúdos. Quem conhece o filme sabe que se trata de um filme com cenas explícitas de violência sexual, psicológica e física entre adolescentes com tendências delinquentes e marginais. Aliás, toda a filmografia deste cineasta reflecte os problemas de uma juventude violenta e rebelde, isenta de valores, à deriva da sociedade, com ímpetos criminosos e de descoberta desenfreada do sexo. E esta abordagem é também bem patente nos seus outros filmes como "Ken Park" (2002) ou "Wassup Rockers" (2005). Nem sei como é que o professor da tal escola (será um padre sexualmente reprimido?) não passou logo estes dois filmes, Verificação ortográficaporque constituem a trilogia perfeita dentro do tema. Que outros filmes farão parte do brilhante cardápio do professor de Religião e Moral? "Saló"?; "Shortbus"?; "Irreversível"?...
Não está em causa a qualidade cinematográfica do filme "Kids" e da sua louvável capacidade de levantar questões pertinentes sobre os devaneios da juventude actual. O que está em causa é que o professor mostrou o filme a adolescentes (9ºano, 13, 14 anos) quando na maior parte dos países é interdito a menores de 17/18 anos. E a classificação etária é um critério que deve ser respeitado. Mesmo que o professor fosse um excelente pedagogo e comunicador ao ponto de conseguir descodificar a densa mensagem do filme, aqueles alunos não têm ainda a maturidade intelectual e a preparação emocional para assimilar uma película tão forte e brutal. Para quem deve estar habituado a ver filmes imberbes como o "Harry Potter" ou "Homem-Aranha", imagino o choque daquelas cabecinhas após o visionamento de "Kids". Haveria milhentos de outros filmes, sem recurso a violência gráfica e explícita, para mostrar os famigerados conteúdos disciplinares de Religião e Moral. Ainda para mais, mostrar um filme como "Kids" que é completamente amoral e que não assume juízos de valor sobre os actos cometidos pelos jovens, é querer queimar-se com o fogo que a própria mão ateou. Não havia necessidade...

5 comentários:

Miriam disse...

Concordo plenamente. Há temas tão perigosos que se o professor não estiver bem preparado, é melhor nem discutí-lo. Só vai reforçar o lado negativo e não dar uma boa formação a estes jovens.
Beijos.

abc disse...

Os caminhos do Senhor são imperscrutáveis...

::Andre:: disse...

Eu não por aí, a maior parte desses miudos já viu filmes mais violentos e provavelmente filmes porno...

Pop Liberal disse...

Não vejo problemas em Kids, vejo problemas em Ken Park. Kids enfoca um lado humanístico bastante interessante, Ken Park é somente "putaria".

A questão não são as cenas fortes e desagradáveis, que parecem atinar para o lado animalesco e repulsivo do ser humano, mas as desconstruções de valores morais e o professor deve estar na sala para evitar o mau. E não se consegue isso de outra forma, senão ensinando os jovens a conhecê-lo.

Quanto a classificação, Kids é um filme já antigo, de uma época pré-internet. Hoje esses meninos e meninas já baixam pornografia hardcore da grande teia, portanto não vejo grandes traumas em kids.

Anónimo disse...

a... isto daria grandes discussões (sem se chegar a grande sítio, acho eu)... cingindo-me aos factos: o meu filho tem 8 anos e é uma "luta" para que não veja o "spider-man" ou pior (p.ex. "tropa de elite") - porque muitos (só p/ não dizer "quase todos") colegas vêem. aliás, a minha irmã trabalha num infantário (não tarda nada exponho aqui a minha vida toda:) e soube em 1ª mão de miúdos ainda mais novos (5 anos?) que já viram/vêem filmes pornográficos (basta ter t.v. no quarto...).
com 13 ou 14 anos provavelmente já viram mais que o dito professor.
não sei...
sei que tudo depende do contexto/enquadramento e nesse aspecto os professores às vezes trabalham sozinhos porque os pais se tão a marimbar.