quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A ponte da morte



O homem, vestido todo de negro, cabelo comprido, óculos escuros, encontra-se encostado à grade da ponte. Olha para um lado e para o outro. O vento forte agita-lhe os longos cabelos. Senta-se na grade durante uns momentos. De um instante para o outro, o homem, de nome próprio Gene, coloca-se de pé na grade e lança-se hirto de costas para o rio. A sua queda até à morte demorou 4 segundos, a 100km/h. Esta é apenas uma das 24 pessoas que se suicidaram em 2004 na ponte Golden Gate e que está incluído no filme "A Ponte":
Um dos monumentos mais famosos dos EUA é a ponte Golden Gate, em São Francisco. Considerada uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis, esta ponte foi aberta ao público em 1937 e continua a fascinar, hoje em dia, pela sua imponência e beleza. Contudo, esta ponte ganhou fama mundial por um motivo macabro: a alta taxa de suicídios. Até 2006 suicidaram-se da Golden Gate cerca de 1300 pessoas. A última estatística é de 2006: 36 suicídios e 70 tentativas. Uma verdadeiro drama social. O que leva tanta gente desesperada a cometer suicídio deitando-se abaixo de uma das pontes mais belas do mundo? Que fascínio mórbido é este? E porque é que as autoridades não tomam medidas preventivas que possam diminuir drasticamente esta estatística doentia?
O documentário "A Ponte" (à venda em DVD) do realizador Eric Steel, não dá respostas a nenhuma destas questões. Nem pretende fazê-lo. O que faz é mostrar, friamente, o fenómeno suicida na ponte de São Francisco, sem interpretações morais, éticas ou políticas. Steel filmou durante um ano (2004) a ponte 24 horas por dia, captando os 23 suicídios dos 24 ocorridos naquele ano. Uma média de um suicídio a cada 15 dias (fora as tentativas). O realizador mostra a morte como se fosse em directo, num registo de voyuerismo mórbido que em nada anula a carga de dramatismo da matéria filmada. Complementarmente, Eric Steel entrevista familiares e amigos dos suicidas, tentando compreender as motivações, as personalidades, o porquê. Aí ficamos a saber que a maior parte dos que se suicidam sofrem de depressões e que a taxa de sobrevivência da queda na água é baixíssima (o documentário dá conta de um pungente testemunho de um jovem sobrevivente). Houve um caso ainda mais raro: o de uma mulher que sobreviveu à primeira tentativa; recuperou e voltou mais tarde a lançar-se da ponte. Desta vez, com consequências mortais. Ninguém consegue explicar a razão da ponte Golden Gate constituir a obra de engenharia do mundo que regista mais suicídios. Ninguém consegue estabelecer a relação entre o fascínio mórbido da morte com a envolvência magnificiente da ponte.
As autoridades referem que colocar uma vedação mais alta no tabuleiro da ponte iria danificar a estética da obra, para além de significar o investimento de milhões de dólares. Enquanto isso, dezenas de homens e mulheres, vindos de todos os pontos da América, continuam a deslocar-se até à ponte Golden Gate para pôr fim trágico às suas vidas. "A Ponte" é um filme forte, sem concessões, que alerta para um drama social de proporções grotescas. É um documentário que apela ao mais íntimo do ser humano, à nossa consciência e ao nosso espírito. Há quem considere o suicídio um tabu social de embaraçosa discussão pública. Defendo o contrário: aprendamos alguma coisa com o budismo e consideremos a morte como fazendo parte natural da nossa última etapa da vida. E divulguemos o documentário, promovendo debates e discussões sérias à volta do que aqui se debate: a fragilidade da vida e a inevitabilidade da morte.

6 comentários:

Gonçalo Trindade disse...

Queria muito tê-lo apanhado no cinema mas acabou por me escapar. Tem uma importância obviamente relevante nem que seja para, de facto, promover a discussão deste tabu.

::Andre:: disse...

É possível ver este documentário em algum site ou quê? Duvido que a Blockbuster o tenha...

Anónimo disse...

E o facto de ter filmado e registado aqueles momentos torna o documentário muito intenso e perturbante. Outro documentário que também me comoveu no aspecto da desistência inerente (neste caso fuga para um outro "reino") foi o "grizzly man"... Tem outras sugestões que caibam neste espectro?

Unknown disse...

Já falei também do Grizzly Man por aqui. Outra sugestão? Sem dúvida o "Into the Wild" de Sean Penn (apesar de não ser documentário...)

::Andre:: disse...

Into the Wild é muito bom, à custa disso estou a ler o "Walden..." do Henry Thoreau.

Anónimo disse...

Pois, também já vi (tanto o filme como o post sobre o grizzly) :)