quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Não era a mesma coisa


Se podiam passar sem uma mensagem minha de bom ano novo? Podiam, mas não era a mesma coisa!

A homenagem a Graham Chapman


Graham Chapman, elemento dos Monty Python, morreu há 20 anos com um raro cancro na medula. Tinha apenas 48 anos de idade. Era médico de profissão mas cedo se envolveu no projecto humorístico dos Monty Python, revelando-se um actor versátil e de grande capacidade cómica. Apesar de debilitado pela doença, Graham Chapman gravou cenas para o 20º aniversário dos Monty Python, que seria assinalado no dia 5 de Outubro de 1989.
Foi internado no dia 1 desse mês, e três dias depois, na noite de 4, viria a falecer. Chapman morreu precisamente um dia antes das comemorações do 20º aniversário da trupe de humor inglesa, o que levou Terry Jones a qualificar o facto como "o pior caso de destruição de uma festa de toda a história".
Já tinha lido sobre a histórica e ousada cerimónia de homenagem ao actor levada a cabo pelos elementos sobreviventes do grupo. Não sei porquê, só agora a vi no YouTube. E é deveras impressionante. O memorial em homenagem a Chapman ocorreu no dia 6 de Dezembro de 1989, apenas dois meses após a morte do actor, no salão nobre do Hospital St. Bartholomew. John Cleese e Michael Palin discursaram palavras de homenagem. Palavras que vindas destes dois Monty Python revelaram um espírito, ao mesmo tempo subversivo e respeituoso, face à memória do colega falecido. Uma sincera e honesta manifestação de amizade para com Chapman, num tom de inevitável humor que contagiou os presentes.
No final, Eric Idle comanda a interpretação da clássica canção "Always Look on the Bright Side of Life", música com que termina o filme "A Vida de Brian", protagonizado por Chapman em 1979.
Memorável e muito pouco convencional homenagem dos Monty Python, recuperada agora que se assinalam 20 anos da morte de Graham Chapman.

A morte de um grande guitarrista


Mais um nome da música a juntar à triste lista de desaparecimentos do ano: morreu, aos 50 anos, Rowland S. Howard, guitarrista australiano da célebre banda The Birthday Party de Nick Cave, elemento dos Crime and the City Solution, These Immortal Souls e colaborador de Lydia Lunch e Nikki Sudden.
Em tempos delirei com a raiva pós-punk dos The Birthday Party, não só com as explosões niilistas de Nick Cave, como também com os devaneios guitarrísticos de Rowland S. Howard. Depois a sua fúria acalmou nos Crime and the City Solution, numa abordagem rock mais ortodoxa.
Rowland morreu à espera de um transplante de fígado, que nunca chegou...

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Balanços para todos os gostos


O jornal Times online não faz a coisa por menos em matéria de balanço do ano e da década no domínio das artes. Não se limita aos habituais livros, discos e filmes. A análise é muito mais abrangente (e para alguns maçadora). Eis os balanços temáticos que o jornal faz:

- A década em televisão
- Os 50 melhores programas da década
- Os 100 discos pop da década
- Os melhores discos de jazz da década
- Os dez melhores discos world music da década
- Os dez melhores discos de música clássica contemporânea
- A década no cinema
- Os 100 melhore filmes da década
- Os 100 melhores filmes de 2009
- Os 100 piores filmes de 2009
- A melhor arte da década
- A década nas artes visuais
- As dez melhores exposições de arte
- Os 5 melhores edifícios da década
- As melhores peças de teatro da década
- A melhor dança da década
- As melhores óperas da década
(...)

Ufa!
Aqui.

O sítio mais selvagem da cidade

Uma serpente a enrolar um autocarro? Será uma imagem de um novo filme-catástrofe realizado por Roland Emmerich? Criaturas gigantes que atacam a vida urbana? Não.
Trata-se, simplesmente, de uma soberba campanha publicitária em prol do Zoo de Copenhaga. Um conceito da empresa Bates Y&R e com direcção artística de Peter Schack. A sensação de três dimensões (tão em voga) que a imagem transmite impressiona os transeuntes, ao mesmo tempo que veicula a mensagem comercial para a visita ao Zoo dinamarquês: "The Wildest Place in Town".
(clicar para aumentar imagem)

O bom e o mau em "Avatar"


Finalmente, vi "Avatar". Não vou entrar em considerações sobre se o filme de James Cameron é cinema revolucionário por causa da utilização do 3D (a propósito deste post). O que sei é que "Avatar" é um marco no cinema pela forma como a tecnologia digital desempenha um papel preonderante na linguagem cinematográfica (apesar de importantes aspectos fracos apontados mais à frente). De beleza visual e superioridade técnica, portanto, “Avatar” está cheio. Tem sequência visuais de suster a respiração, e aí o mérito é de James Cameron que imaginou esse fabuloso planeta Pandora - concebido em imagens pela mais avançada empresa de efeitos especiais, a WETA Digital de Peter Jackson.
É inegável o nível de excelência tecnológica que Cameron conseguiu atingir para que pudesse concretizar esta magnífica aventura visual. É o próprio realizador que conta: “Sonhei criar um filme assim, ambientado num outro mundo, repleto de perigos e beleza, desde que era um menino que lia revistas de ficção científica, e desenhava monstros e extraterrestres na aula de matemática”. "Avatar" cumpre, pois, a sua função de cinema-espectáculo em tons de claro blockbuster comercial, percebendo-se o porquê de ter demorado 12 anos a conceber e os 250 milhões de dólares de custo. São duas horas e meia de deleite visual, magia e puro entretenimento (nunca o 3D foi tão deslumbrante e eficiente como neste filme).
Mas o cinema, obviamente, é mais do que o conjunto destas características eminentemente técnicas. O argumento de "Avatar" é claramente polvilhado de lugares-comuns e de total previsibilidade narrativa. Louva-se a James Cameron a crítica directa aos históricos massacres levados a cabo por europeus e norte-americanos aos povos indígenas de todo o mundo. Louva-se a preocupação na defesa dos valores ambientalistas e a mensagem subjacente. Mas é nítida a sensação de que “Avatar” é uma mistura de “O Último dos Moicanos” tecnológico do século XXI, com pitadas românticas de “Pocahontas”, e o patriotismo heróico de “Braveheart".
Li numa entrevista a James Horner (compositor da música, já lá vamos) em que este afirmava que o público não está preparado para propostas vanguardistas nem ideias muito inovadoras. Salta à vista esse facto no filme. A história é orientada segundo uma lógica dialéctica entre o bem e o mal, os opressores e os oprimidos, uma inevitável relação de amor pelo meio, e o equilíbrio entre cenas de acção desenfreada com cenas de contemplação. O final em registo de previsível "happy end" ajuda a solidificar a ideia que jamais passou pela cabeça do realizador e dos produtores a exploração de um "script" arrojado e original.
Outro ponto menos conseguido do filme é a música. James Horner, compositor de bandas sonoras de Hollywood há 30 anos, conhece bem a fórmula do sucesso imediato. Das dezenas de trabalhos já realizados, compôs a música para "Titanic", "Braveheart", "Apocalypto", "Troy" e "Apollo 13". Ou seja, filmes épicos com importante elementos heróicos. Não quer dizer que a música de "Avatar" seja má, mas é totalmente previsível e cheia de lugares-comuns. Mais: parece que James Horner se plagia a si próprio, pela forma como utiliza sempre os mesmos elementos musicais e instrumentais (flautas e cantos para dar um tom exótico, percussões furiosas para cenas de acção...). Neste aspecto, o compositor Howard Shore, na saga "O Senhor dos Anéis", soube melhor do que ninguém perceber as nuances dramáticas da histórica épica. Por outro lado, o trabalho de sonoplastia e de efeitos sonoros é irrepreensível.
O mais surpreendente e totalmente desnecessário: a canção que surge no final do filme, já a acompanhar os créditos finais. Lembram-se da famosa canção "My Heart Will Go On" cantada por Celine Dion em "Titanic"? Pois bem, James Horner propõe um reedição de uma cançoneta lamechas idêntica (não, pior) para o fim do filme. Borrou totalmente a pintura.
Em jeito de balanço final: "Avatar" não é uma obra-prima do cinema. É um filme que ficará na história pelo uso revolucionário da tecnologia digital em 3D (que provavelmente inaugurará uma era de novas produções do género) e pelo puro entretenimento de qualidade que provoca no espectador.
PS - Ao fim das duas horas e meia de visionamento senti uma ligeira dor de cabeça devido ao 3D.

Dois mil

Este é o post número 2000. Obrigado.
PS - E o comentário nº 4500 está mesmo a chegar.

Díptico - 78


HAL 9000 ("2001 - Odisseia no Espaço", Stanley Kubrick, 1968)

GERTY ("Moon", Duncan Jones, 2009)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

2009 - Os discos

Sem ordem particular:

Animal Collective - "Merriweather Post Pavilion"
Two Fingers - "Two Fingers"
Fuck Buttons - "Tarot Sport"
Dan Deacon - "Bromst"
Sonic Youth - "The Eternal"
The xx - "The xx"
Micachu & The Shapes - "Jewlerry"
The Horrors - "Primary Colours"
Black Lips - "200 Million Thousand"
Dirty Projectors - "Bitte Orca"
Clutchy Hopkins Meets Lord Kenjamim - "Music is my Medicine"
John Zorn - "Filmworks XXIII - El General"
Sparks - "The Seduction of Ingmar Bergman"
Tortoise - "Beacons of Ancestorship"
Zu - "Carboniferous"
The Mars Volta - "Octahedron"
Sigur Ros - "We Play Endlessy"
Squarepusher - "Numbers Lucent"
Ben Frost - "By The Throat"
Tom Waits - "Glitter and Doom Live"
David Sylvian - "Manafon"
The Cinematic Orchestra - "Les Ailes Pourpres"
AGF/Delay - "Symptoms"
Boredoms - "Super Roots 10"
Kasabian - "The West Rider Pauper Lunatic Asylum"
DJ Spooky - "Spooksong"
PJ Harvey And John Parish - "A Woman A Man Walked By"
Grizzly Bear - Veckatimest
Leonard Cohen - "Live in London"
Lightning Bolt - "Earthly Delights"
Jah Wobble and the Chinese Dub Orchestra - "Chinese Dub"
KTU - "Quiver"
Cecilia Bartoli - "Sacrificium"
Nils Petter Molvaer - "Hamada"
Mexican Institute of Sound - "Soy Sauce"
Luke Vibert - "Rhythm"

Capa do ano:

domingo, 27 de dezembro de 2009

2009 - Os livros


1 - "O Resto é Ruído" - Alex Ross
2 - "A Montanha Mágica" - Thomas Mann
3 - "Sou o Último Judeu" - Chil Rajchman
4 - "Kubrick: Biografia" - John Baxter
5 - "Dicionário de Cinema para Snobs" - David Kamp/Lawrence Levi
6 - "Rayuela O Jogo do Mundo" - Julio Cortazar
7 - "Invisível" - Paul Auster
8 - "O Espectáculo da Vida" - Richard Dawkins
9 - "101 Monstros" - Simon Sebac Montefiore
10 - "Os Cadernos de Picwick" - Charles Dickens
11 - "Hilter - Uma Biografia" - Ian Kershaw
12 - "Sorte do Diabo" - Ian Kershaw
13 - "Servidão Humana" - Somerset Maugham
14 - "Punk Marketing" - Richard Laermer/Mark Simmons
15 - "Contra a Felicidade" - Eric G. Wilson
16 - "The Greatest Movie Never Made" - Jan Harlen/Christiane Kubrick

Fenómeno literário do ano: "2666" de Roberto Bolaño
Polémica do ano: e-books vs. livros em papel

2009 - Os filmes

Confesso que não pensei muito para fazer esta lista. Fiz umas pesquisas rápidas, tomei o pulso aos filmes que mais gostei de ver no ano e pronto. Por isso é provável que falte algum título nesta lista (se tiver paciência farei uma selecção dos filmes da década).
Convém dizer que ainda não vi filmes muito esperados e elogiados (lá fora) e que deverão estrear no próximo ano em Portugal: "Serious Man" de Joel e Ethan Coen, "The Lovely Bones" de Peter Jackson, "Um Profeta" de Jacques Audiard, "Invictus" de Clint Eastwood, "The Road" de John Hillcoat, "Shutter Island" de Martin Scorsese, "The Fantastic Mr. Fox" de Wes Anderson, "Imaginarium of Doctor Parnassus" de Terry Gilliam, "Precious" de Lee Daniels, "Up in the Air" de Jason Reitman (...).

Os links remetem para posts sobre os respectivos filmes:

1 - "Anticristo" de Lars Von Trier
2 - "O Laço Branco" de Michael Haneke
3 - "Gran Torino" de Clint Eastwood
4 - "Whatever Works" de Woody Allen
5 - "Inglorious Basterds" de Quentin Tarantino
6 - "The Wrestler" de Darren Aronofsky
7 - "Inimigos Públicos" de Michael Mann
8 - "Two Lovers" de James Gray
9 - "Deixa-me Entrar" de Tomas Alfredson
10 - "Where The Wild Things Are" de Spike Jonze
11 - "The Hurt Locker" de Kathryn Bigelow
12 - "A Orfã" de Jaume Collet-Serra

Fiascos do ano: "Actividade Paranormal" e "2012"
Filme revelação do ano: "Moon" de Duncan Jones
Melhor filme de animação: "Mary and Max", seguido de "Coraline" e "Up"
Interpretação do ano: Christoph Waltz em "Inglorious Basterds"

Discos que mudam uma vida - 88


Arcade Fire - "Funeral" (2004)

sábado, 26 de dezembro de 2009

Já não se aguenta a música dos 80


Distraidamente vi na televisão, no inenarrável programa Top +, que este CD duplo, "Anos 80: A Década de Ouro", entrou directamente para o quarto lugar do top de vendas das compilações. Primeiro: gostava de saber quem é que ainda tem paciência para verificar se o disco A ou B sobe ou desce de posição de venda. Que diferença faz e a quem interessa? Segundo: não me admira nada que os anos 80 continuem a vender bem. Sempre venderam, mesmo antes da nostalgia cultural pelos "eighties" ter regressado em força nos últimos tempos. Basta ouvir a música que passa nas lojas, nos hipermercados, nas rádios nacionais, nos programas de televisão, para perceber que os anos 80 continuam na crista da onda. Demasiado na crista (como referi neste post).
A década de 80 foi particularmente paradoxal. Houve da melhor e da pior produção artística. Música excelente e música horrivelmente insuportável. E este tipo de CDs com os êxitos dos anos 80 são já insuportáveis porque representam o pior da música pop dessa década: Europe, Modern Talking, Starship, Jennifer Rush, Deacon Blue, Foreigner, Cyndi Lauper, Wham e tantos outros grupos afins.
A minha dúvida existencial é esta: quem continua a ouvir, repetidamente, os mesmos êxitos musicais de há 20/25 anos? Os mesmos que ouviam nos anos 80, por mero saudosismo (sádico, diria)? Ou uma nova geração alegadamente deslumbrada com este riquíssimo espólio musical?

Um Natal bizarro


O Natal já passou mas ainda vamos a tempo de conhecer tradições e factos completamente bizarros e inéditos sobre formas históricas e obscruras de celebrar a quadra natalícia. Impróprio para mentes conservadoras, dogmáticas e particularmente sensíveis. Aqui.

Perguntas indiscretas - 15


Apesar de estarmos habituados a elevadas expectativas face aos filmes realizados por Martin Scorsese, será que o seu novo filme, "Shutter Island", superará essas mesmas expectativas?

Momentos e Imagens - 51


Werner Herzog

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A peça sem aplausos

"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos."
Charles Chaplin (falecido no dia 25 de Dezembro de 1977)

O Natal na televisão

A TVI gosta de fazer corresponder a sua programação de filmes às circunstâncias da época natalícia e, como proposta para o serão da consoada em família, diz-se que em paz e harmonia, programou dois filmes - em horário nobre - que caracterizam esse verdadeiro espírito: "Transformers" e "O Reino Proibido", um filme de artes marciais com Chackie Chan e Jet Li. Só posso dizer: como é belo e ternurento o Natal na televisão!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Um Bom Natal (cinéfilo)


A corte improvável

É comum haver traduções mal feitas (geralmente, traduções literais) nos filmes, seja em DVD, no cinema ou em séries de televisão. Mas a que assisti ontem foi a mais hilariante dos últimos tempos: na sequência do tribunal do filme "Inimigos Públicos" de Michael Mann, sempre que um advogado falava sobre o tribunal ("Court"), a tradução da legenda era... "Corte"! Do género: "Queria pedir à "corte" um pedido de adiamento...". Só faltou trocar Lawyers por reis e ficava a corte completa!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O melhor filme de animação do ano


Quando vi "Coraline" pensei que dificilmente haveria, em 2009, um filme de animação tão bom. Depois vi "Up" e pensei exactamente o mesmo. Era o melhor filme de animação deste ano. Mas enganei-me, porque entretanto vi "Mary and Max" e fiquei surpreendido. Um amigo deu-me um DVD com o filme original (sem legendas) há um mês e disse-me apenas: "Vê isto. Vais gostar". Só agora, em férias, tive tempo de o ver. E em boa hora o fiz. "Mary and Max" não é uma produção dos gigantes Pixar ou Dreamworks (é australiana), não tem o orçamento milionário de "Up" ou "Coraline", mas tem criatividade suficiente para destronar esses dois filmes. Sem rodeios.
Não terá sido por acaso que esta pérola da animação, realizada por Adam Elliot (que ganhou um Óscar com uma curta-metragem de animação em 2004), abriu o festival de cinema de Sundance deste ano (à semelhança do que "Up" fez em Cannes). É que "Mary and Max" (durou 5 anos a ser feito) é o primeiro filme de animação que vejo que narra uma história claramente para adultos, apesar de ser feito com uma técnica de animação de volumes habitual nos filmes infantis (como "Wallace e Gromit"). Apesar de ter muitos apontamentos divertidos e de humor (negro), o tom sombrio, sério e dramático encobre todo o ambiente do filme (até à emocionante última cena).

Quando foi a última vez que alguém viu um filme de animação, feito em plasticina, cujos temas centrais são a morte (e logo três mortes!), suicídio, solidão, ansiedade, perturbações mentais (síndrome de Asperger), depressão, alucinação, obesidade mórbida, instabilidade emocional, agorafobia, alcoolismo, timidez social, família disfuncional, violência infantil, tabagismo (até um peixe fuma!), cleptomania, comportamentos obsessivos, trabalho precário, sem-abrigo, desvios sexuais, etc? Pois "Mary and Max" aborda, com frontalidade e grande destreza, estes e outros temas de "adultos". Mas há outro tema que atravessa todo o filme e que se revela a trave-mestra da narrativa: a amizade. "Mary and Max" é um grande filme e não apenas por estes motivos. Está muito bem conseguido em termos visuais e estéticos, o encadeamento (e montagem) dos pequenos episódios é exemplar, as vozes dos personagens idem (Philip Seymour Hoffman, Eric Bana, Toni Collette...) e a excelente música (sobretudo dos Penguin Cafe Orchestra) contribuem para a excelência do filme.
A história é baseada em factos reais: em meados dos anos 70, uma criança de 8 anos, Mary, vive na Austrália (sempre em tons castanhos) e corresponde-se com um homem de meia idade chamado Max, um depressivo e obeso ateu de origem judaica. Max vive sozinho no seu austero apartamento de Nova Iorque (sempre em tons cinzentos), não tem amigos, é viciado em chocolate e tem fobia de mulheres. Ao longo dos anos, a troca de cartas entre Max e Mary assume diversas peripécias e episódios, consolidando uma relação de amizade a longa distância. Até que um dia, quando Mary tem 26 anos e Max 62, ambos se encontram pela primeira vez em Nova Iorque...
"Mary and Max" é um filme de animação, sim, mas prova ter mais consistência e profundidade dramática do que muitos filmes de acção real, revelando-se um filme maduro sobre as relações humanas, a necessidade de amor e o desnorte existencial de uma sociedade egocêntrica. Um pérola cinematográfica sobre o sentido da vida.
Apesar de ter recebido vários prémios, "Mary and Max" não foi nomeado aos Globos de Ouro, nem será aos Óscares, porque as grandes produções "Up" e "Coraline" cilindram qualquer possibilidade de competição por parte de outras obras de menor dimensão (comercial, não artística). Mas não é por isso que este filme deixa de ser um marco notável na história do cinema de animação... de sempre.
Ah, e o filme!

Os dez filmes mais subestimados


O jornal "The Guardian" elaborou uma lista original: os 10 filmes mais subvalorizados da década. Como todas as listas, esta também é subjectiva e reflecte uma tendência de gosto específica. No entanto, há aqui grandes filmes que foram, efectivamente, desvalorizados, como "Spider" de David Cronenberg, "Morvern Callar" de Lynne Ramsay ou "Tempo do Lobo" de Michael Haneke. Outros títulos referenciados nunca ouvi falar, como "Tekkonkinkstreet" ou "Songs From the Second Floor".
Eis a lista:

1. "Morvern Callar" (2002) de Lynne Ramsay
2. "Tarnation" (2003) de Jonathan Caouette
3. "Tekkonkinkstreet" (2006) de Michael Arias
4. "Spider" (2002) de David Cronenberg
5. "Inland Empire" (2006) de David Lynch
6. "Time of the Wolf" (2003) de Michael Haneke
7. "Spirit Away" (2001) de Hayao Miyazaki
8. "Birth" (2004) de Jonathan Glazer
9. "Songs From The Second Floor" (2002) de Roy Andersson
10. "Harry He's Here To Help" (2000) de Dominik Moll

A lista com análise detalhada.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Tati tem cada vez mais razão


Numa entrevista à revista Time, em 1958 - data da estreia do filme "O Meu Tio" (na imagem) -, o realizador Jacques Tati (para mim o maior cineasta francês de sempre, à frente de Truffaut, Godard ou Renoir) disse isto sobre o paradoxo da modernidade:
"Vejam o que nos está a acontecer - esta especialização. A despersonalização está a tirar todo o significado humano à nossa vida quotidiana. Um homem costumava orgulhar-se da forma como conduzia. Agora um carro guia-se sozinho. Uma mãe costumava orgulhar-se dos seus bolos. Agora eles fazem-se sozinhos. Um rapaz costumava orgulhar-se das coisas que inventava para brincar. Agora está soterrado em brinquedos feitos em fábricas. É triste , não é?"
Estávamos em 1958 e, nessa altura, a sociedade de consumo de cariz tecnológica era um fenómeno crescente e real. Porém, passados mais de 50 anos, Tati continua a ter (cada vez mais) carradas de razão na sua feroz crítica ao excesso de tecnologia mecanizada na vida contemporânea. O que me suscita uma questão pertinente: à luz dos tempos modernos, que filme seria "O Meu Tio" se Jacques Tati o realizasse hoje?

Para que serve um crítico de cinema?


Não há volta a dar: a crítica raramente está de acordo com a opinião do público em geral. Refiro-me, sobretudo, à crítica de cinema. Na generalidade dos casos, quando o crítico de cinema elogia um filme e lhe atribui 4 ou 5 estrelas, o público não adere; quando um filme é sucesso de bilheteira (ou seja, que cheira a "mainstream" enlatado), mesmo que seja assinado por um realizador minimamente credenciado, o filme é destroçado com uma estrela ou, dependendo do ânimo do crítico nesse dia, com uma redonda bola preta. O crítico de cinema escreve que o filme de um obscuro realizador de Taiwan ou do Irão é uma obra-prima, e o resultado não se exprime na bilheteira.
Por outro lado, um filme de acção com actores conhecidos, por mais textos destrutivos que os críticos possam escrever, nunca impedirá que seja um sucesso. Então, para que serve a crítica de cinema se não influencia, aparentemente, nenhum cinéfilo na hora de optar por qual filme ver? Por vezes serve (como uma vez um amigo do meio me confessou) para que os críticos escrevam "uns para e contra os outros", fomentando guerrilhas intelectuais despropositadas e em circuito fechado. A crítica serve para davaneios e exercícios altamente retóricos e teóricos (onde cabe toda a semiologia da arte e a linguagem da escola dos "Cahiers du Cinéma") de teor totalmente egocêntrico e pedante. Serve também para dizer ao povo: "atenção, eu sou o crítico de cinema, eu é que sei avaliar e analisar um filme, vocês são meros receptores passivos sem direito a opinião contraditória". A sério que às vezes é o que parece. A crítica de cinema na imprensa escrita portuguesa, ao contrário da crítica musical, mais aberta e menos preconceituosa, revela ainda o estigma da intelectualização do exercício crítico que foi herdado da crítica francesa mais erudita.
O crítico de cinema português, salvo raras excepções, é um petulante e distante observador do fenómeno artístico. Não imiscui o seu gosto cinéfilo elitista com o gosto da maioria da população. Escarnece (quase) tudo o que provém dessa terra do mal chamada Hollywood e enaltece, de forma orgástica, a última obra-prima do realizador vietnamita Tran Anh Hung ou do tailandês Apichatpong Weerasethakal. O crítico de cinema adora destroçar o que é do gosto minimamente popular, que tenha algum sucesso comercial, que venha dos EUA. Por seu lado, adora incensar as cinematografias mais exóticas e desconhecidas, precisamente para mostrar ao mundo a sua inesgotável sapiência e erudição. São poucos os críticos que têm discernimento (ou que querem ter) para fazer a "ponte" entre as duas posições radicalizadas.
Vem isto a propósito da recepção crítica ao filme "Avatar" de James Cameron. O jornal Público, à excepção de Jorge Mourinha, que sabe cultivar uma visão equilibrada dos objectos estéticos, atribuiu 3 estrelas ao filme. No entanto, a restante classe de críticos varre o filme com uma estrela, desprestigiando um dos fenómenos cinematográficos mais importantes do ano (no mínimo). É que o crítico militante tem de estar sempre do outro lado da barricada. Por seu turno, Luís Miguel Oliveira, um crítico do mesmo jornal, deita abaixo o filme de Cameron e desvaloriza a utilização do 3D como instrumento capaz de valorização estética. É neste tipo de textos que se comprova o nível de preconceitos críticos de certos jornalistas. Além do mais, parece que se quer evangelizar o público com questões conceptuais, recursos linguísticos rebuscados e revelações de episódios da história do cinema.
É sobranceria intelectual a mais. E basta ler alguns comentários online ao referido texto de Luís Miguel Oliveira para perceber que há pessoas - meros espectadores ou cinéfilos, do lado de cá - que sabem tanto ou mais de cinema (e têm mais abertura cultural) quanto o crítico no alto do seu pedestal. Essa é que é essa.

O Sítio dos Sonhos Selvagens


"Where The Wild Things Are" é um filme sobre a infância, sobre a inocência da infância. E nesse aspecto o filme de Spike Jonze é particularmente ternurento, dado que a fantasia e a imaginação de uma criança representam toda a inocência do mundo. Os fabulosos monstros felpudos (criados pela empresa de Jim Henson) são personagens que fazem a ponte entre a realidade e a fantasia, que acreditam que Max (a criança entedieda do mundo real) é o Rei por que tanto esperavam. Max, por seu turno, faz-se passar por Rei para ganhar a confiança dos seres selvagens. E descobre que no mundo da pura fantasia há diversão e amizade, mas também grassa o ressentimento e a desilusão.
Spike Jonze, o cineasta original de "Beeing John Malkovitch" (1999), "Adaptation" (2002) e de muitos videoclips de referência (como os dos Beastie Boys), recria em imagens o fascinante universo da imaginação do escritor Maurice Sendak (livro de 1963).
Jonze consegue imprimir espírito de fantasia ao seu filme, com belas sequências filmadas no deserto e da aridez da natureza. A relação entre a criança e os seres selvagens resulta numa metáfora sobre a relação entre os seres humanos. Uma metáfora onde, afinal de contas, tudo pode acontecer, como no mais inocente sonho.
O realizador não se preocupa em impor uma moralidade na sua abordagem ao universo infantil; o filme termina da forma mais desarmante e normal do mundo, no seio da segurança familiar (não vou pormenorizar o final para não causar "spoilers"), como se nada se tivesse passado entretanto. Mas esse "entretanto" acabou por ser "tudo" para a imaginação do pequeno Max... Daí que, quanto a mim, o título mais apropriado para este filme de Spike Jonze seria "O Sítio dos Sonhos Selvagens".

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Discos que mudam uma vida - 87


Radiohead - "Kid A" (2000)

A vida de Polanski na prisão domiciliária


Bernard-Henri Lévy, insigne intelectual e escritor francês, visitou Roman Polanski e relatou o que viu e sentiu. Entre outras coisas, Lévy refere que Polanski aproveita a reclusão forçada em casa para trabalhar, dia e noite, no seu último filme ("The Ghost", que está a terminar); que recebe todos os dias dezenas de cartas de apoio vindas de cidadãos comuns; que usa a pulseira electrónica no tornozelo; que vive preso em casa mas também preso na sociedade do espectáculo, visto que nem consegue assomar-se às janela (a mesma pela qual olhou a sua mulher) sem que seja fotografado por algum paparazzo (como na imagem).
Lévy enaltece o carácter de abnegação e resistência do realizador, ao mesmo tempo que se insurge contra o absurdo da situação judicial criada à volta da possível extradição para os EUA. O artigo de Bernard-Henri Lévy foi publicado no jornal espanhol El País e pode ser lido aqui.

Sleeveface news


domingo, 20 de dezembro de 2009

A Serious Man

Gosto muito deste poster do novíssimo filme dos irmãos Coen (um regresso à comédia negra dos autores de "Fargo").

O segundo filme de Richard Kelly


Lembram-se de "Donnie Darko" (2001), um filme independente de culto que marcou o início da década? Pois bem, o realizador do mesmo, Richard Kelly, realizou um segundo filme que, tanto quanto sei, nem estreia comercial teve em Portugal (nem sequer em DVD). Chama-se "The Box" e tem a actriz Cameron Diaz como protagonista.
A história conta-se de uma penada: um casal, a viver na América dos anos 70, enfrenta uma grave crise financeira e vê a sorte chegar na forma de uma caixa abandonada à frente da sua casa. Nela, encontra-se um estranho recado: basta carregar num botão para ficarem milionários. Mas há um senão. Como consequência, um desconhecido morrerá no acto. Um bom ponto de partida para um jogo de tensão e mistério. Só que as qualidades evidenciadas por Richard Kelly no brilhante "Donnie Darko" parece que se esfumaram neste sofrível "The Box". A gestão do suspense é penosa, a realização não dá margem para a imaginação do espectador funcionar e o enredo não cria a esperada tensão psicológica, resultando num banal "thriller". A espaços nota-se a evidente influência de "The Shining" de Kubrick (a forma como Kelly filma os corredores e os olhares dos personagens alienados), mas nota-se que Richard Kelly não tem (ainda) o domínio do olhar estético do cineasta inglês. Este argumento nas mãos de David Fincher ou David Lynch teria, certamente, um resultado muito mais satisfatório.
Aguardemos por uma terceira obra para confirmar se o talento de Kelly evidenciado em "Donnie Darko" se confirma.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Um rosto que chora


Este rosto que verte lágrimas representa uma momento superlativo do cinema de David Lynch: "O Homem Elefante" (1980). Anthony Hopkins é o jovem médico Frederik Treves que acompanha clinicamente o estado físico aberrante de John Merrick (o homem elefante interpretado por um soberbo John Hurt).
Uma história simples, trágica e humanista, contada com grande labor e domínio narrativo por David Lynch (longe do seu universo estético rebuscado e surreal). O espanto na cara de Hopkins, horrorizado perante as atrocidades a que é submetido o seu paciente especial, é um daqueles momentos emocionais de uma pujança que raramente o cinema de Lynch voltou a conseguir.

As artes ficaram mais pobres em 2009

É uma banalidade dizer que todos os anos morrem importantes figuras das artes, do espectáculo e da cultura. 2009 não foi excepção (nomes listados conforme falecimento cronológico):

Claude Berri – Compositor
Tereza Coelho – Escritora, jornalista
Ron Ashton – Músico (The Stooges)
João Aguardela – Músico (A Naifa)

John Updike – Escritor
Lagoa Henriques – Escultor
Marilyn Chambers – Actriz
Natasha Richardson - Actriz
Billy Powell - Músico (Lynyrd Skynyrd)
Alain Bashung - Músico
Ricardo Montalan – Actor
Maurice Jarre - Compositor de cinema
J.G. Ballard – Escritor
Lux Interior – Músico (The Cramps)
Vasco Granja – Divulgador cinema animação
Dom DeLuise – Actor
João Bénard da Costa – Director Cinemateca

David Carradine – Actor
José Calvário – Maestro e compositor
Farrah Fawcett – Actriz
Michael Jackson – Músico
Pina Bausch – Bailarina e coreógrafa

MS Lourenço – Poeta e filósofo
Merce Cunningham - Bailarino e coreógrafo
Karl Malden – Actor

John Hughes – Argumentista e realizador
Willy DeVille – Cantor
Raul Solnado – Actor e humorista
Les Paul – Guitarrista e músico

Ruth Ford – Actriz
Isabel Alves da Costa – Programadora cultural
Hildegard Behrens – Cantora lírica
Jim Dickinson – Músico e produtor musical
José Morais e Castro – Actor
Ellie Greenwich – Compositora pop
João Vieira – Pintor
Jim Carroll – Escritor, poeta e músico
Paul Burke – Actor
Willy Ronis – Fotógrafo
Patrick Swayze – Actor

Henry Gibson – Actor
Jorge Vasques – Actor
Mercedes Sosa – Cantora
Jake Brockman – Músico (Echo & The Bunnymen)
António Sérgio – Radialista

Claude Lévi-Strauss – Escritor e antropólogo
Francisco Ayala – Escritor
Jerry Fuchs – músico dos !!!
Mário Barradas – Encenador
Elizabeth Söderström – Cantora de ópera
Lou Jacobi - Actor
Paul Wendkos – Realizador
Jacques Baratier – Realizador
Roy Disney – Realizador e produtor
Jennifer Jones – Actriz

Richard Todd – Actor
Gilles Carles - Realizador
Dan O'Bannon - Argumentista

O trabalho pela manhã


"We know that a man can read Goethe or Rilke in the evening, that he can play Bach and Schubert, and go to his day's work at Auschwitz in the morning."
George Steiner